Como passar do tempo, a definição e a concepção do que é o orixá no Brasil tendem a evoluir. Em se tratando de africanos escravizados no Novo Mundo, ou de seus descendentes aí nascidos, sejam ele de sangue africano ou mulatos, tão claros de pele quanto possível, não havia e não há problemas, pois o sangue africano que corre em suas veias, não importando a proporção , justifica a dependência ao orixá – ancestral.
Progressivamente, o candomblé viu aumentar o número de seus adeptos, não somente mulatos cada vez mais claros, como também de europeus, e até de asiáticos, absolutamente destituídos de raízes africanas.
Os transes de possessão dessas pessoas têm geralmente um caráter de perfeita autenticidade, mas parece difícil incluí-los na definição acima apresentada: a do orixá-ancestral que volta à terra para se reencarnar, durante um momento, no corpo de um de seus descendentes.
Embora os crentes não- africanos não possam reivindicar laços de sangue com os seus orixás, pode haver, no entanto, entre eles, certas afinidades de temperamento. Africanos e não – africanos têm em comum tendências inatas e um comportamento geral correspondente àquele de um orixá, como a virilidade devastadora e vigorosa de Xangô, a feminilidade elegante e coquete de Oxum, a sensualidade desenfreada de Oiá Iansã, a calma benevolente de Nanã Buruku, a vivacidade e a independência de Oxóssi, o masoquito e o desejo de expiação de Omolu, etc.
Gisele Cossard observa que que ”se se examinarem os iniciados agrupando – os pôr orixás, nota –se que eles possuem, geralmente, traços comuns, tanto no biótipo como em características psicológicas. Os corpos parecem trazer, mais ou menos profundamente, segundo os indivíduos, a marca das forças mentais e psicológicas que os anima”.
Podemos chamar essas tendências de arquétipos da personalidade escondida das pessoas. Dizemos escondida porque não há nenhuma dúvida, certas tendências inatas não podem desenvolver – se livremente dentro de cada um, no decorrer de sua existência, se elas entrarem em conflito coma as regras de conduta, admitidas nos meios em que vivem. A educação recebida e as experiências vividas, muitas vezes alienantes, são as fontes seguras de sentimentos de frustração e de complexos,e conseqüentes bloqueios e dificuldades.
Se uma pessoa, vítima de problemas não – solucionados, é “escolhida” como filho ou filha de santo pelo orixá, cujo arquétipo corresponde a essas tendências escondidas, isso será para ela a experiência mais aliviadora e reconfortante pela qual possa passar. No momento do transe, ela experiência mais aliviadora e reconfortante pela qual possa passar. No momento do transe, ela comporta – se , inconscientemente, como o orixá, seu arquétipo, e é exatamente a isso que a aspiram as suas tendências secretas e reprimidas.
Toda essa experiência permanecendo no domínio do inconsciente, o resultado da intervenção do orixá pode ser comparado ao dos psicodramas de Moreno, com a diferença, porém, que, ao invés de ser um processo que tende a liberar um doente de suas angústias, no meio deprimentes de uma clínica, o inexprimível é mais poeticamente exteriorizado numa atmosfera de agradável exaltação, no decorrer de uma brilhante festa, onde reina a amigável aprovação de admiradores fascinados.
Os arquétipos de personalidade das pessoas não são rígidos e uniformes como os descritos nos capítulos seguintes, pois existem nuances provenientes da diversidade de “qualidades” atribuídas a cada orixá. Oxum, pôr exemplo, pode ser guerreira, coquete ou maternal, dependendo do nome que leva. Como veremos,, diz – se que há doze Xangôs, sete Oguns sete Iemanjás, dezesseis Oxalás (na África eles seriam cento e cinqüenta e quatro), tendo cada um suas características particulares. Eles são, segundo os casos jovens ou velhos ,amáveis ou ranzinzas, pacíficos ou guerreiros, benevolentes ou não.
No Brasil, além do mais, cada indivíduo possui dois orixás. Um deles é mais aparente aquele que pode provocar crises de possessão , o outro é mais discreto e é “assentado”, fixado, acalmado. Apesar disso, ele influencia também o comportamento das pessoas. O caráter particular e diferenciado de cada indivíduo resulta da combinação e so equilíbrio que se estabelecem entre esses elementos da personalidade.
Bibliografia
Trecho do Livro: Orixás
Autor: Pierre Fatumbi Verger
Editora: Corrupio
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