quero o nome, a fome
e a memória. Quero
o agora. O dentro e o fora,
o passado e o futuro.
Quero tudo: o que falta
e o que sobra
o óbvio e o absurdo. (Maria Esther Maciel)
Fiquei pensando que o amor sempre chega numa fase em que estaciona. Sim, pode ser a tal fase morna, aquela em que não faísca mais, mas também, ao contrário do desconforto do frio, é aquela mansidão de banheira em que a gente quer se deixar ficar. Aquele amálgama de tanta coisa que já foi vivida, sofrida, desentendida, acordada ou, simplesmente, deixada em algum canto onde não vá atrapalhar a passagem. Porque em se tratando de amor, aparar todas as arestas, por mais artista da convivência que se seja, é simplesmente inviável. No máximo, consegue-se podar umas e outras, às vezes nossas, outras, do outro. E os cantos vão ficando repletos de coisas de que abdicamos, desconsideramos, relevamos, fazemos vistas grossas. Vez ou outra, tropicamos numa delas e acaba machucando, incomodando, mas seguimos. Seguimos pro nosso quentinho, morninho, o amor de banheira, cuja profundidade não oferece mais nenhum perigo.
O que está no fundo, quando está, não tem descrição, não é palpável, desentranhável. É um amontoado das coisas mais miseráveis, extraordinárias e bizarras, como as que a gente encontra em um circo: acrobacia, tristeza de palhaço, bicho maltratado, mágica pra sobreviver, fantasia pra existir, um caos de máscaras e riscos, esperando um único aplauso. Se eu cair do trapézio, alguém vai dizer que eu preciso de cuidados. Mas se eu ficar lá, balangando de um lado pro outro, ninguém vai saber da minha tortura, dos meus medos, da minha eterna roleta-russa, nada. No fundo, no fundo, eu sempre soube que a vida é essa coisa meio mambembe, meio capenga, mas serei condenado ao paredão dos infelizes, se não disser que é um grande espetáculo. Não importa se o leão está velho e nem ruge mais. Se as piadas do palhaço soam mais tristes que seu sorriso desenhado. Se a pipoca está murcha e fria.
A ideia de que o amor imobiliza. Sei que isso é muitíssimo contestável e vai sempre haver uma legião de amantes dizendo o oposto, assegurando que o amor é mesmo a mola propoulsora da vida. Não sei, mas vejo que pessoas apaixonadas são meio improdutivas, enquanto que o não-amor impulsiona os não amados a correrem atrás do "prejuízo". O desamor, então, já produziu lindos sambas, incontáveis romances, as mais tocantes poesias, filmes, telas, e por aí vai. O desamor é uma inspiração e tanto, principalmente para a indústria farmacêutica.