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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Em defesa da Umbanda e Candomblé: Religiões de matriz africana


Historicamente, as religiões de matriz africana sofreram toda sorte de discriminação e perseguição, inclusive policial. De acordo como antropólogo Raul Lody, os sistemas de fé, devoção e expressões do sagrado dessas religiões trazem memórias de diferentes culturas daquele continente. No Brasil, elas se integraram ao catolicismo, ampliando e oferecendo novas formas de cultuar as divindades. Ainda hoje, nove religiões de matriz africana resistem no Brasil: Candomblé, Tambor-de-Mina, Batuque, Jarê, Babassuê, Umbanda, Quimbanda, Omolocô e Xangô. Segundo Lody, essas religiões expressam um rico conjunto de saberes que vão desde a culinária até a botânica, passando pelo artesanato, dança, música e língua, entre outros elementos. Na Bahia, podemos encontrar três delas: Candomblé, Umbanda e Jarê. Porém, a mais disseminada é o Candomblé. 

 O Candomblé e suas nações

 Originária do termo banto kandombile, significa lugar de culto e oração. A natureza, os elementos terra, água, ar e fogo formam a base dessa religião que, de acordo com o antropólogo Lody, fazem dela uma religião essencialmente ecológica. O Candomblé dialoga de maneira especial e integrada com a vida e a morte, estabelecendo rituais próprios e especiais. O Candomblé tem suas raízes em várias partes do continente africano. Por isso, pode se expressar de maneira diferente, dependendo do modelo étnico dominante. A maneira de agrupar e identificar os grupos étnicos deu-se, de acordo com Raul Lody, pelo reconhecimento de suas línguas, critério também utilizado hoje para estabelecer as nações de candomblé. Os termos religiosos, os nomes gerais dos alimentos, roupas e deuses, os cânticos e rituais indicam a procedência do Candomblé. Hoje o candomblé apresenta a seguinte divisão: Nação Kêtu-Nagô (Ioruba); Nação Jexá ou Ijexá (Ioruba); Nação Jeje (Fon/Ewe); Nação Angola (Banto); Nação Congo (Banto); e Nação de Caboclo (modelo afro-brasileiro).

Fonte/http://bahia.com.br/atracao/religioes-de-matriz-africana/

Cultos afrobrasileiros: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO: LIMITES DE UM E OUTRO

 “Certamente, há mais de dois mil anos as religiões de matriz africana já precediam o próprio Cristianismo”, afirma o antropólogo Raul Lody, autor de mais de 20 livros sobre o tema. O desenho do artista Carybé mostra a festa do pilão de Oxalá.

“Certamente, há mais de dois mil anos as religiões de matriz africana já precediam o próprio Cristianismo”, afirma o antropólogo Raul Lody, autor de livros sobre o tema. O desenho é do argentino-baiano Carybé e nos mostra a Festa do Pilão de Oxalá.
O juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17º Vara Federal do Rio, voltou atrás apenas em sua enviesada definição sobre religiões, mas manteve a decisão: quem prega a intolerância contra as minorias religiosas afro-brasileiras, pode pregá-la livremente, em nome da liberdade de expressão. Pode? Como representante do Estado, que garante a ordem e a igualdade de todos perante a lei, o juiz deveria proteger os que mais precisam (e não há nenhum “coitadismo” aqui). Quando ele se atém, estritamente, ao viés jurídico, torna-se precário o julgamento de situações subjetivas, como no caso. A legalidade da liberdade de expressão  – nosso bem tão precioso! — também tem um limite: é quando deixa de ser expressão para se transformar em propaganda, visando destruir ou capturar o outro. Senão, vejamos: a  propaganda nazista não respeitava direito algum, já que, à época e dentro do território germânico, o nazismo era considerado uma… legalidade. Era?
Quem lembra esta realidade é o filósofo inglês George Steiner em seu livro Nenhuma Paixão Desperdiçada: “O Estado-nação ergue-se sobre mitos de instauração e de glória militante. Perpetua-se por meio de mentiras e meias-mentiras.(…) A única cidadania que o intelectual reconhece é a do humanismo crítico. Ele sabe que o nacionalismo é uma espécie de loucura, uma infecção virulenta que leva a espécie humana ao massacre mútuo”.

O nacionalismo é aqui tomado como a exclusão do outro, seja por razões de busca de uma ”raça pura”, seja por razões de imposição de uma religiosidade única. A decisão do juiz mantém  o direito de alguém “falar mal” do outro. Como posso dizer que o ideal do outro – representado pela religião – não presta só porque tenho uma visão diferente da vida ou da divindade que venero? Em política, podemos falar de um embate entre visões diferentes, porque é legítimo que um partido brigue para alcançar o poder; no entanto, é ilegítimo que alguém brigue para impor sua visão religiosa.  É o que nos assevera o professor de História das Religiões, Giuseppe Bertazzo:
“A história, a antropologia e a genética ensinam que não existe “raça pura”. Querer encontrar uma religião “pura” é também algo não aconselhável. A não ser que você queira considerar a religião etnocêntrica, a de um povo que se coloca em contraposição aos “inimigos”. Até a religião hebraica, em seu início, considerava Jahvé (ou Jeová) seu deus exclusivo, em contraposição aos outros. Felizmente, aos poucos abriu-se para um monoteísmo que caminhou, pelo que conhecemos pelas palavras do profeta Isaias, uns 500 anos antes de Cristo, para a concepção de um deus preocupado com os mais fracos. Ao enunciar o projeto de sua missão, Jesus Cristo serviu-se da palavra de Isaias. Sem esquecer que a mesma Bíblia contém elementos, visões e narrações anteriores que encontramos no Egito e na Mesopotâmia antigos; o cristianismo e o islamismo beberam nessa fonte de deversidades culturais. Em determinados momentos históricos também as religiões as religiões se mesclaram diretamente ao Poder,  servindo como justificativa para ditaduras e proteção dos poderosos. Eu admiro demais Jesus Cristo que falava que a Justiça não podia ser apenas a dos fariseus, que só impunham obrigações, mas deveria ir além: olhar diretamente para as necessidades das pessoas. O mesmo Estado,hoje, deve se voltar para quem mais precisa;  no caso, as religiões afro-brasileiras, que não querem dominar a sociedade.”
Assim, devermos ir além da literalidade da lei para olharmos as singularidades da herança histórica brasileira: uma radiosa mistura. Raul Lody, que dedicou sua vida ao estudo das religiões africanas, pode nos iluminar:
“Na formação de povo brasileiro, os Yorubá, os Fon, os Ewe;  as civilizações dos povos Bantu e da África oriental abastecem de histórias religiosas o nosso entendimento de fé, de sagrado, de memórias míticas; e de inúmeros conhecimentos culturais agregados à música, à dança, à comida, e ao idioma, entre outros. Organizadas, hierarquizadas, sistematizadas em rígidos preceitos litúrgicos; detentoras de calendários religiosos; também mantenedoras de amplo e  rico acervo cultural de povos africanos no Brasil, são o Candomblé nas suas Nações Ketu, Nagô, Jeje, Angola, Angola-congo, Gexá, Moxicongo em todo o Brasil; O Xangô, no Nordeste; o Mina-jeje e o Mina-nagô no Maranhão e na Amazônia; o Batuque, e as suas muitas Nações no Rio Grande do Sul; e a Umbanda. Essas religiões têm o reconhecimento do Estado nacional por meio do “tombamento” como Patrimônio Nacional (IPHAN), que assim demonstrou a importância dessas religiões tão organizadas quanto as demais que convivem no nosso Estado democrático.”
Há um ponto em comum que une Steiner, pensador da origem das linguagens, a Lody e Bertazzo: o da aceitação das diferenças, o da não-exclusão, o do convívio dos contrários. A ideia é a de que você faz parte de um mundo maior de culturas distintas, que se entrecruzam e se ampliam, abrindo horizontes, sempre enriquecedoras. Ou, como na visão do poeta Drummond: “Amor é o que se aprende no limite”. Aprender a amar a si mesmo, de pronto, é conhecer seus próprios limites.

Fonte/http://veja.abril.com.br/blog/leonel-kaz/
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