Pesquisa publicada na revista 'Nature' soluciona mistério sobre o planeta e pode ajudar a compreender fontes de energia em outros lugares do sistema solar
Conhecida por ser a “maior tempestade de todo o sistema solar”, a Grande
Mancha Vermelha na superfície de Júpiter é também uma imensa fonte de
energia. A temperatura na atmosfera acima dela é centenas de graus mais
alta que em qualquer outro lugar do planeta, segundo um novo estudo
publicado nesta quarta-feira, 27, na revista Nature. Além
de resolver um mistério de pelo menos quatro décadas, a descoberta pode
ajudar a compreender fontes de energia de todo o sistema solar.
Utilizando telescópios localizados na Terra, cientistas observaram
emissões infravermelhas de Júpiter e descobriram que a temperatura na
parte superior da atmosfera, acima da Grande Mancha Vermelha, é de
aproximadamente de 1.300°C – centenas de graus mais quente que em
qualquer outro lugar do planeta.
Os cientistas, liderados por James O’Donoghue, da Universidade de
Boston, nos Estados Unidos, afirmam que a tempestade gigante na Grande
Mancha Vermelha pode ser a fonte de energia dessa parte excepcionalmente
quente da atmosfera joviana. Segundo os autores, a Grande Mancha
Vermelha produz dois tipos de ondas turbulentas de energia – ondas
gravitacionais e ondas acústicas -, que colidem e aquecem a parte
superior da atmosfera.
Os pesquisadores afirmam que a descoberta é a última peça de um
quebra-cabeças que tem deixado os cientistas perplexos desde 1973,
quando a nave Pioneer 10, da Nasa, sobrevoou Júpiter e fez as primeiras
medições de temperatura de sua superfície. Na época, eles concluíram que
sua atmosfera é muito mais quente do que o esperado caso o Sol fosse
sua única fonte de calor.
Como Júpiter está cinco vezes mais longe do Sol que a Terra, de
acordo com os cálculos dos cientistas, esperava-se que a energia solar
que chega ao planeta deixasse a temperatura da parte superior de sua
atmosfera em torno de 73°C negativos. Mas a temperatura medida, na
época, foi de cerca de 570°C.
“Com o aquecimento solar descartado, nós desenhamos um estudo para
mapear a distribuição de calor sobre todo o planeta, para buscar
anomalias nas temperaturas que poderiam ajudar a explicar de onde vem
essa energia”, disse O’Donoghue.
Os astrônomos mediram a temperatura do planeta observando suas
emissões invisíveis de radiação infravermelha. O topo das nuvens que
podem ser observadas sobre Júpiter está a cerca de 50 quilômetros de sua
superfície. As emissões infravermelhas medidas vinham de uma região 800
quilômetros acima.
“Vimos quase imediatamente que as temperaturas máximas em grandes
altitudes estavam justamente sobre a Grande Mancha Vermelha, que gira lá
embaixo. Seria uma coincidência, ou uma pista importante?”, disse
O’Donoghue.
Maior tempestade do sistema solar
Resolver o mistério da “crise de energia” em Júpiter tem implicações
para todo o Sistema Solar e também para planetas de outros sistemas,
segundo os cientistas. Eles afirmam que as temperaturas mais altas do
que as esperadas apenas com a radiação solar não ocorrem apenas em
Júpiter, mas também em Saturno, Urano, Netuno e provavelmente em todos
os planetas gigantes da galáxia.
“A transferência de energia de baixo para o alto da atmosfera já foi
simulada em modelos planetários, mas não havia sido sustentada por
observações. As temperaturas extremamente altas observadas sobre a
tempestade parecem ser a evidência concreta dessa transferência de
energia, indicando que o planeta todo pode produzir calor e fornecendo
uma explicação plausível para a ‘crise de energia'”, disse O’Donoghue.
A Grande Mancha Vermelha foi descoberta no século 17, depois que
Galileu Galilei introduziu na astronomia o uso do telescópio. Com seu
padrão de gases coloridos que giram, ela é frequentemente chamada de
“furacão perpétuo”.
A tempestade tem variado em tamanho e cores ao longo dos séculos. Com
tamanho três vezes maior que o diâmetro da Terra, a Grande Mancha
Vermelha tem ventos que levam seis dias para completar uma volta. O
próprio planeta Júpiter, com massa 300 vezes maior que a da Terra,
também gira incrivelmente rápido, completando uma volta a cada dez
horas.
(Com Estadão Conteúdo)