Em Vaishlách, lemos a história de Jacó voltando para sua terra depois de mais de 30 anos no exílio. Quando está quase lá, ele fica sabendo que seu irmão, Esaú, está indo ao seu encontro com 400 homens. Imediatamente, acha que seu irmão ainda não esquecera o passado de desavenças entre eles e que está vindo para matá-lo. Imediatamente Jacó monta uma estratégia para se preparar para o confronto. Os Sábios da Cabalá notaram que esta estratégia envolvia: "tributo, prece e guerra."
Primeiro, Jacó envia presentes e tributos a Esaú, na tentativa de aplacar sua ira. Em seguida, Jacó faz uma oração sincera, e, por fim, prepara-se de fato para uma guerra. Segundo a Cabalá, os irmãos Esaú e Jacó representam forças polares dentro do próprio homem. Esaú representa nossa identidade autocentrada, egoísta e animalesca, ao passo que Jacó personifica nosso lado mais espiritual, nossa conexão com a alma transcendente.
A inimizade e a rivalidade entre os irmãos refletem a tensão interminável e o conflito entre estas duas forças em nossa vida. Nenhum de nós está isento desse confronto diário com Esaú. Constantemente recebemos a notícia de que Esaú está vindo para cima do nosso Jacó com 400 homens. Ou seja, constantemente temos rompantes de egoísmo e ataques de desejos animais e autocentrados. E para lidar com essas forças, podemos usar a estratégia de Jacó: "tributo, prece e guerra". Antes de mais nada, temos que dar tributos ao nosso lado Esaú, devemos creditar a ele algumas das nossas conquistas. Se fôssemos totalmente privados deste lado, também não seríamos o que somos hoje. Porém, esses tributos e louvores devem ser comedidos, sob risco de colocarmos este aspecto nosso no centro de nossa vida.
Para isso, usamos a prece. A prece nada tem a ver com reza, oração, ou rituais feitos dentro de um templo religioso. A prece é o contraponto dos tributos dados a Esaú. Assim como há que se reconhecer a existência da alma animalesca em nós, é preciso um tempo para reconhecer a nossa alma mais elevada. É quando deixamos de lado o ego e pensamos no outro, é quando pensamos em traços nobres em nós, como o amor, a amizade e a felicidade. O ideal é, portanto, que possamos dividir as energias entre esses dois lados. Pender para qualquer um deles não é saudável. Isso pode ser ilustrado na seguinte anedota:
Sherlock Holmes e Dr. Watson vão acampar juntos. Montam a tenda e entram nela para desfrutar uma noite tranquila perto da fogueira. No meio da noite, Sherlock se vira para o Dr. Watson e pergunta: “E aí, no que está pensando agora?” Watson responde: “Sherlock! Isto é um espetáculo. Estou contemplando as estrelas no céu, pairando acima de nós. Estou encantado pelo esplendor romântico da noite, e estou fascinado com esta vista magnífica do céu estrelado. E você, no que está pensando?” “Que alguém roubou a nossa tenda,” responde Sherlock. Neste caso, Watson representa o nosso lado espiritual, que se maravilha com as coisas do mundo, e Sherlock o nosso lado prático. Se ficamos muito "Watson", alguém rouba nossa tenda e não nos damos conta. Por outro lado, se ficamos muito "Sherlock", só vemos a tenda roubada, e não conseguimos olhar o céu.
No entanto, é importante lembrar que só isso não basta. A estratégia de Jacó tem um terceiro ponto. Dividir nossos tempos e esforços entre tributos e preces, entre a alma animal e a alma mais elevada, não é o suficiente. Ainda é preciso se preparar para a guerra, caso ela se faça necessária. Se vemos alguns traços em nós que nos incomodam, devemos declarar guerra contra eles. Quando percebemos algo em nós mesmos que é realmente um inimigo, a estratégia de tributos e prece não ajuda. É preciso uma batalha, um combate.
Curiosamente, no entanto, a guerra acaba não sendo necessária. O texto nos conta que quando Esaú se aproxima de Jacó, ele o abraça e o beija, esquecendo de todo o passado, e lembrando apenas que ambos são irmãos. Assim, embora nos preparemos para a guerra, e isso seja aceitável, se seguimos à risca a estratégia de tributos e prece, a necessidade da guerra é anulada. Se realmente conseguimos integrar as duas polaridades dentro de nós, e se conseguimos fazer com que Esaú e Jacó se beijem e se vejam como irmãos, vivemos em paz e harmonia, sem a necessidade de conflitos.
Y. A. Cabalista
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