Tal como ocorre nos demais cultos de possessão que, em graus diferentes, estão em sua base, como o Candomblé e o Espiritismo, a pedra angular da Umbanda é a comunicação entre a esfera do sobrenatural e o mundo dos homens, através da incorporação das entidades espirituais num grupo e no corpo dos iniciados. Apresenta, contudo, algumas particularidades que a diferenciam daqueles cultos.
No Candomblé, por exemplo, as entidades - orixás - não são consideradas espíritos de mortos, mas reis, princesas e heróis divinizados que representam forças da natureza (Iansã, os ventos, a tempestade; Iemanjá, o mar; Ossãe, as folhas e plantas; Oxum, os rios e cascatas, etc.); atividades humanas (Oxossi, a caça; Ogum, a guerra e a metalurgia; Omulu, a medicina); virtudes e paixões (Xangô, a justiça, Oxum, o amor e o ciúme; Oxalá, a sabedoria), etc., cujas ações se desenrolaram num tempo mítico.
Na Umbanda, as entidades são considerados espíritos de mortos que descem do astral onde habitam para o planeta terra - visto como lugar de expiação - onde, através da ajuda dos mortais, ascendem em seu processo evolutivo em busca da perfeição. Tal concepção, tributária da doutrina do carma, apresenta, contudo, algumas diferenças com relação ao Espiritismo kardecista: enquanto para este último os espíritos que descem nas sessões são individualizados e reconhecidos pela história de suas vidas passadas, as entidades umbandistas constituem categorias mais genéricas, onde a referência à vida pessoal é substituída por representações como, por exemplo, caboclos e pretos-velhos.
Perdida a lembrança dos traços individualizadores, os espíritos de velhos escravos e índios assumem o papel de antepassados de etnias africanas e indígenas, sendo representadas por uma série de marcas correspondentes a uma visão que se generalizou através de tradições orais e da escrita: a figura altiva do índio, amante da liberdade, popularizada pela corrente indianista da literatura romântica; o aspecto humilde do preto-velho, sábio e compreensivo com as misérias humanas e o sofrimento, visão idealizada sobre velhos escravos e escravas conhecedores de segredos, remédios e também poderosas magias empregadas contra os senhores brancos.
Nos três casos citados - Candomblé, Espiritismo, Umbanda - o caráter do transe é diferente: no Candomblé, ele é regulado por um conjunto de mitos que contam as sagas dos deuses e que os iniciados repetem, através da coreografia, cânticos e roupas, representando assim, uma história muito antiga, mítica. No Espiritismo kardecista, os médiuns emprestam seu corpo, sua voz, sua matéria, enfim, para que mortos possam continuar comunicando-se com os parentes, amigos, discípulos.
Na Umbanda, o transe não é nem estritamente individual nem propriamente uma representação com a profundidade dos mitos, mas a atualização de fragmentos de uma história mais recente através de personagens tais como foram conservados na memória popular: o caboclo Tupinambá, ou o pai Joaquim de Angola, quando descem, não são a representação deste ou aquele indivíduo em particular, mas uma representação genérica e estereotipada de índios brasileiros, escravos africanos e outros personagens liminares presentes em diferentes contextos históricos e sociais brasileiros.
As entidades umbandistas são, portanto, espíritos de mortos - ainda que não individualizados - para quem a missão de ajudar os homens é um meio de expiar faltas passadas de acordo com a doutrina do carma e assim progredir em busca da perfeição. Tem-se, assim, a crença na comunicação concreta e real entre o mundo dos vivos e dos mortos; estes o fazem em virtude da necessidade de evoluir espiritualmente, para o quê necessitam da materialidade do corpo físico dos iniciados.
As entidades dividem-se, basicamente, em espíritos de luz (ou da direita) e espíritos não evoluídos (ou da esquerda). Tanto uns como outros encontram-se em diferentes estágios de progresso espiritual: os mais atrasados na escala evolutiva, muito próximos ainda da matéria são os exus, cuja representação iconográfica os aproximaria da figura do diabo da tradição cristã. No panteão do candomblé, porém, Exu é considerado o orixá que estabelece mediação entre o mundo dos homens e o dos deuses: não evoca o mal, mas a ambigüidade, a passagem, a comunicação. Na Umbanda, o correspondente feminino de exu é a pomba-gira, que geralmente assume a forma estereotipada da prostituta.
Exus e pombas-gira são antes representações coletivas do que espíritos individuais; para se designar espíritos de mortos individualizados usa-se o termo eguns. Estes, antes de iniciar seu processo evolutivo - neste caso considera-se que permanecem vagando, podendo inclusive afetar as pessoas - são nomeados pelo termo quiumbas. Não provocam transe mas, como se verá, uma perturbação.
Os espíritos de luz, que trabalham na direita, quando baixam no terreiro e se apossam do corpo dos médiuns, assumem posturas corporais e exibem adornos que permitem identificar sua origem: são os já citados caboclos, pretos-velhos, marinheiros, etc. Cada uma dessas categorias, agrupadas em linhas, atendem a pedidos específicos, "especializam-se" em determinadas doenças e problemas. Assim, por exemplo, exus e pombas-gira atendem a casos que envolvem dinheiro, sexo, desavenças de ordem afetiva; espíritos de luz, como caboclos e pretos velhos não se envolvem com tal tipo de questões: dão conselhos, receitam remédios de ervas e raízes, insistem no fortalecimento espiritual, abrem caminhos.
Tais categorias são fundamentais para se compreender a classificação das doenças, na Umbanda, e os processos de cura. Assim, costuma-se distinguir, em primeiro lugar, as doenças cármicas: são as decorrentes de uma provação pela qual a pessoa deve passar em razão de faltas não expiadas que seu espírito, do qual o corpo é mero invólucro, tenha cometido em vidas anteriores. Neste caso resta apenas resignar-se porque da aceitação do sofrimento presente depende a evolução do espírito rumo à perfeição.
Geralmente tal tipo de explicação aplica-se a enfermidades congênitas. Em alguns casos as perturbações, tanto físicas como mentais - fraqueza, desmaios, dores de cabeça, visões, convulsões - são consideradas não doenças propriamente ditas, mas sintomas de mediunidade. A pessoa que possui essa capacidade e não sabe, ou se sabe e não quer aceitá-la pode sofrer uma série de distúrbios interpretados como resistência a dar passagem à entidade espiritual que a escolheu como instrumento para sua missão na terra.
Há também perturbações causadas por outras pessoas: são o resultado de influências negativas por causa da inveja nas relações afetivas, profissionais e também por causa de feitiços e encantamentos encomendados por desafetos. Se no primeiro caso o malefício é interpretado como resultado de fluidos negativos, no segundo é produzido diretamente pela manipulação de forças espirituais através de ritos e objetos mágicos. Finalmente, há as doenças causadas por encosto: no último plano da escala evolutiva estão espíritos ainda sem luz, os quiumbas, que vagam sem destino e podem apossar-se das pessoas (nas quais encostam).
Quando isto acontece, essas pessoas ficam perturbadas, com dores de cabeça, desmaios, compulsão ao suicídio, têm convulsões e até mesmo distúrbios físicos. Se o encosto chega a dominá-las completamente, trata-se de uma obsessão: ele toma o lugar do espírito da pessoa o que pode acarretar perturbações mais sérias e até levar à morte. Segundo as palavras de uma mãe-de-santo entrevistada.
Carlinhos Lima - Astrologo, Tarologo e Pesquisador
No Candomblé, por exemplo, as entidades - orixás - não são consideradas espíritos de mortos, mas reis, princesas e heróis divinizados que representam forças da natureza (Iansã, os ventos, a tempestade; Iemanjá, o mar; Ossãe, as folhas e plantas; Oxum, os rios e cascatas, etc.); atividades humanas (Oxossi, a caça; Ogum, a guerra e a metalurgia; Omulu, a medicina); virtudes e paixões (Xangô, a justiça, Oxum, o amor e o ciúme; Oxalá, a sabedoria), etc., cujas ações se desenrolaram num tempo mítico.
Na Umbanda, as entidades são considerados espíritos de mortos que descem do astral onde habitam para o planeta terra - visto como lugar de expiação - onde, através da ajuda dos mortais, ascendem em seu processo evolutivo em busca da perfeição. Tal concepção, tributária da doutrina do carma, apresenta, contudo, algumas diferenças com relação ao Espiritismo kardecista: enquanto para este último os espíritos que descem nas sessões são individualizados e reconhecidos pela história de suas vidas passadas, as entidades umbandistas constituem categorias mais genéricas, onde a referência à vida pessoal é substituída por representações como, por exemplo, caboclos e pretos-velhos.
Perdida a lembrança dos traços individualizadores, os espíritos de velhos escravos e índios assumem o papel de antepassados de etnias africanas e indígenas, sendo representadas por uma série de marcas correspondentes a uma visão que se generalizou através de tradições orais e da escrita: a figura altiva do índio, amante da liberdade, popularizada pela corrente indianista da literatura romântica; o aspecto humilde do preto-velho, sábio e compreensivo com as misérias humanas e o sofrimento, visão idealizada sobre velhos escravos e escravas conhecedores de segredos, remédios e também poderosas magias empregadas contra os senhores brancos.
Nos três casos citados - Candomblé, Espiritismo, Umbanda - o caráter do transe é diferente: no Candomblé, ele é regulado por um conjunto de mitos que contam as sagas dos deuses e que os iniciados repetem, através da coreografia, cânticos e roupas, representando assim, uma história muito antiga, mítica. No Espiritismo kardecista, os médiuns emprestam seu corpo, sua voz, sua matéria, enfim, para que mortos possam continuar comunicando-se com os parentes, amigos, discípulos.
Na Umbanda, o transe não é nem estritamente individual nem propriamente uma representação com a profundidade dos mitos, mas a atualização de fragmentos de uma história mais recente através de personagens tais como foram conservados na memória popular: o caboclo Tupinambá, ou o pai Joaquim de Angola, quando descem, não são a representação deste ou aquele indivíduo em particular, mas uma representação genérica e estereotipada de índios brasileiros, escravos africanos e outros personagens liminares presentes em diferentes contextos históricos e sociais brasileiros.
As entidades umbandistas são, portanto, espíritos de mortos - ainda que não individualizados - para quem a missão de ajudar os homens é um meio de expiar faltas passadas de acordo com a doutrina do carma e assim progredir em busca da perfeição. Tem-se, assim, a crença na comunicação concreta e real entre o mundo dos vivos e dos mortos; estes o fazem em virtude da necessidade de evoluir espiritualmente, para o quê necessitam da materialidade do corpo físico dos iniciados.
As entidades dividem-se, basicamente, em espíritos de luz (ou da direita) e espíritos não evoluídos (ou da esquerda). Tanto uns como outros encontram-se em diferentes estágios de progresso espiritual: os mais atrasados na escala evolutiva, muito próximos ainda da matéria são os exus, cuja representação iconográfica os aproximaria da figura do diabo da tradição cristã. No panteão do candomblé, porém, Exu é considerado o orixá que estabelece mediação entre o mundo dos homens e o dos deuses: não evoca o mal, mas a ambigüidade, a passagem, a comunicação. Na Umbanda, o correspondente feminino de exu é a pomba-gira, que geralmente assume a forma estereotipada da prostituta.
Exus e pombas-gira são antes representações coletivas do que espíritos individuais; para se designar espíritos de mortos individualizados usa-se o termo eguns. Estes, antes de iniciar seu processo evolutivo - neste caso considera-se que permanecem vagando, podendo inclusive afetar as pessoas - são nomeados pelo termo quiumbas. Não provocam transe mas, como se verá, uma perturbação.
Os espíritos de luz, que trabalham na direita, quando baixam no terreiro e se apossam do corpo dos médiuns, assumem posturas corporais e exibem adornos que permitem identificar sua origem: são os já citados caboclos, pretos-velhos, marinheiros, etc. Cada uma dessas categorias, agrupadas em linhas, atendem a pedidos específicos, "especializam-se" em determinadas doenças e problemas. Assim, por exemplo, exus e pombas-gira atendem a casos que envolvem dinheiro, sexo, desavenças de ordem afetiva; espíritos de luz, como caboclos e pretos velhos não se envolvem com tal tipo de questões: dão conselhos, receitam remédios de ervas e raízes, insistem no fortalecimento espiritual, abrem caminhos.
Tais categorias são fundamentais para se compreender a classificação das doenças, na Umbanda, e os processos de cura. Assim, costuma-se distinguir, em primeiro lugar, as doenças cármicas: são as decorrentes de uma provação pela qual a pessoa deve passar em razão de faltas não expiadas que seu espírito, do qual o corpo é mero invólucro, tenha cometido em vidas anteriores. Neste caso resta apenas resignar-se porque da aceitação do sofrimento presente depende a evolução do espírito rumo à perfeição.
Geralmente tal tipo de explicação aplica-se a enfermidades congênitas. Em alguns casos as perturbações, tanto físicas como mentais - fraqueza, desmaios, dores de cabeça, visões, convulsões - são consideradas não doenças propriamente ditas, mas sintomas de mediunidade. A pessoa que possui essa capacidade e não sabe, ou se sabe e não quer aceitá-la pode sofrer uma série de distúrbios interpretados como resistência a dar passagem à entidade espiritual que a escolheu como instrumento para sua missão na terra.
Há também perturbações causadas por outras pessoas: são o resultado de influências negativas por causa da inveja nas relações afetivas, profissionais e também por causa de feitiços e encantamentos encomendados por desafetos. Se no primeiro caso o malefício é interpretado como resultado de fluidos negativos, no segundo é produzido diretamente pela manipulação de forças espirituais através de ritos e objetos mágicos. Finalmente, há as doenças causadas por encosto: no último plano da escala evolutiva estão espíritos ainda sem luz, os quiumbas, que vagam sem destino e podem apossar-se das pessoas (nas quais encostam).
Quando isto acontece, essas pessoas ficam perturbadas, com dores de cabeça, desmaios, compulsão ao suicídio, têm convulsões e até mesmo distúrbios físicos. Se o encosto chega a dominá-las completamente, trata-se de uma obsessão: ele toma o lugar do espírito da pessoa o que pode acarretar perturbações mais sérias e até levar à morte. Segundo as palavras de uma mãe-de-santo entrevistada.
Carlinhos Lima - Astrologo, Tarologo e Pesquisador
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