Originário de uma tradição erguida pelas míticas princesas iorubanas fundadoras do antigo candomblé da Barroquinha, as Iyá Detá, Iyá Kalá, e a mais famosa entre todas, Iyá Nassô, o Afonjá foi fundado pela estimada e "imortal" iyalorixá Eugênia Anna dos Santos, conhecida como Aninha de Afonjá, e mais religiosamente, era chamada de Iyá Oba Biyi. Mãe aninha fora iniciada nos mistérios da religião iorubá, em uma casa situada à rua dos Capitães, próxima da hoje conhecida Praça Castro Alves, em Salvador, segundo nos informa Mestre Didi . Da feitura do santo de mãe Aninha, segundo o mesmo informante, participaram a Iyanassô, mãe Marcelina que era chamada de Obá Tossi e o mítico Bamboxê. Depois de anos de iniciada, com a morte de Oba Tossi, disputas internas foram geradas por questões sucessórias, a Iyá Aninha desligou-se do Ilê Axé Airá Intile (como era chamado o antigo candomblé da Barroquinha) e juntamente com Tio Joaquim, o Obá Sanyá, foi fundar o Afonjá, que ao longo da sua história, tornou-se um dos templos mais importantes das religiões de matriz africana no mundo.
Este candomblé em seu processo de consolidação religiosa, além da forte presença de sua matriarca maior, contou com a contribuição de personalidades míticas baianas, como a do Babalawô Martiniano do Bonfim, a do proeminente comerciante Miguel Santana, que ajudaram mãe Aninha a reproduzir em seu Ilê Axé uma espécie de sociedade africana, inspirada nas cidades-estados Oió e Ketu. Mãe Aninha apresentou o universo do candomblé a nomes como do etnólogo baiano Edison Carneiro, e iniciou o icônico prof. Agenor Miranda como seu filho de santo.
Nos anos 20 e 30 do século passado, a mais expressiva e atuante iyalorixá da Bahia, era Aninha de Afonjá. A sua fama repousava em seus conhecimentos sobre os fundamentos da religião dos orixás, em sua disciplina modelar, em sua inteligência, em seu interesse pela história e pela cultura iorubanas, em suas atitudes políticas e visionárias: Aninha foi a Iyá responsável pela liberação legal do culto aos orixás, depois de uma audiência no Rio de Janeiro com o então presidente Getúlio Vargas, em 1936; é dela a famosa frase: "Quero todos meus filhos aos pés de Xangô com anel de doutor". Foi a matriarca soteropolitana, filha de negros da nação grunce, que chamou Salvador de "Roma Negra".
O seu exemplo, a sua imagem histórica, o seu legado sócio-cultural, e principalmente, religioso, traduz-se na imponência litúrgica corporificada há mais de noventa anos pelo Ilê Axé Opô Afonjá, monumento de orgulho de qualquer adepto do candomblé, cônscio da historicidade desta religião entre nós na Bahia.
A saga deste templo conta a história de outras iyalorixás que contribuíram para sua evolução e consolidação como um dos mais importantes instrumentos de preservação da influência africana nas reinvenções religiosas dos negros oriundos de etnias nagô-iorubá e jeje-fon. Com a morte de Aninha Obá Biyi em 1938, chegou ao trono daquela casa uma filha de Oxalufã, a iyalorixá Bada, conhecida como Olufan Deiyi, seu nome sacerdotal, que governou o Ilê Axé de 1939 até 1941, quando veio a falecer. Para substituí-la, assumiu o matriarcado do templo Maria Bibiana do Espírito Santo, a Oxum Miwá, a veneranda Mãe Senhora de Oxum.
A "Era Senhora" perfila a grandeza dos ensinamentos deixados por Aninha, foi nesse período que o Afonjá seguiu a sua tendência de se aproximar de grandes intelectuais, que sob a constante vigilância de mãe Senhora, garantiram prestígio e mais "tolerância" ao culto dos orixás praticados em algumas casas, entre elas o Gantois e o Engenho Velho, já que as demais eram muito perseguidas pela polícia baiana na época. Senhora atraiu para si muita respeitabilidade, e em seu período como "Iyá", juntamente com mãe Menininha do gantois, era lembrada como a grande sacerdotisa naqueles anos.
Mãe senhora levou para o Afonjá, importantes celebridades do cenário político, artístico e intelectual brasileiro: Jorge Amado, Vivaldo da Costa Lima, Antonio Olinto, Rubem Valentim, Zora Seljan, Juanita Elbein e Pierre Verger; recebeu as visitas ilustres de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Mas o mais importante foi a sua fidelidade e maestria em relação à conservação dos preceitos religiosos do candomblé ensinados por sua estimada Iyá Obá Biyi.
A iyalorixá faleceu em 1967. Em seu lugar veio mãe Ondina de Oxalufã, de nome religioso Iwintonã, que reinou naquela casa de 1968 até 1975, quando veio falaceu.
Fonte/Terra Magazine/Marlon Marcos é jornalista, professor e mestrando em Estudos Étnicos e Africanos pelo Centro de Estudos Afro-Orientais (Ufba). Opiniões expressas aqui são de exclusiva responsabilidade do autor e não necessariamente estão de acordo com os parâmetros editoriais de Terra Magazine.
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