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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Umbanda Astrológica e os Ritos Secretos da Iniciação


Apesar das diferenças ritualísticas e doutrinárias, todas têm em comum profundo zelo, respeito e fundamento sustentado pelos ritos secretos da Iniciação(reatualização do Axé), que são realizados e consolidados no tálamo do Templo, roncó ou camarinha, muito distante do olhar forâneo ou laico. Dentre os rituais secretos ou seletos, afetos à Iniciação, estão o rito do Ori (bori) e o rito do Bará (destino, energias vitais).
A Iniciação, nas várias Religiões Afro-Brasileiras, tem em comum apresentar ao neófito os “fundamentos” ou ensinamentos basilares, esotéricos que são vivenciados por intermédio de vários ritos de fundamento. O Bará, em sua delicada tessitura ritualística, é de transcendência similar ao Ori; associa-se ao elo de comunicação, a fala, a reprodução, ao sexo e equilíbrio fisiológico e energético do corpo físico visível e invisível, portanto associado a Exu (equilíbrio biopsicossocial). Necessário dizer-se que o conceito é apresentado de forma generalista, e cada Religião Afro-Brasileira tem seus aspectos particulares, transmitidos e ritualizados segundo suas vivências e práticas tradicionais.É desta interface Ori-Bará, do Bará como manifestação ou emanação do Ori que versará o vídeo apresentado nesta publicação. 
O conceito de Ori é importantíssimo, mormente por relacionar-se com a consciência, inteligência, processos cognitivos e, principalmente espirituais (energias sutilíssimas e sutis) que só sacerdotes consumados sabem como fazer as devidas “amarrações” com as vibrações positivas do universo, com os Senhores Estruturantes do Universo – os Orixás e seus Ancestrais Ilustres. As doenças físicas são resultados da instabilidade, desequilíbrio e desarmonia do indivíduo consigo mesmo, com sua ancestralidade, com seus Orixás e, principalmente com seu Ori (destino). Nesse sentido, as doenças podem ser entendidas como a não percepção da integração do homem com ele próprio, com seus pares, com a natureza física e o sobrenatural. 

No painel das religiões afro-brasileiras, embora não se fale em mente e corpo, ao grassar a unidade Ori-Bará, reforça-se a não dualidade e também que a energia da mente não provém do corpo. Nós não saberíamos onde começa o Espírito e termina a matéria e vice-versa já que para as religiões afro-brasileiras, há planos de existência para uma mesma realidade (continuum). Exu, o que dá o poder dinâmico da vida, é responsável por ajustar o trânsito do passado, presente e futuro com a finalidade de reuni-los, ou seja, ir ao encontro da Origem, ou, dos nossos Genitores Divinos, Orixás, Inkices e Voduns. E no corpo físico a cabeça é a manifestação da mente e cada região está associada a um período de nossas vivências (passado, presente e futuro), ou seja, embora o Ori seja um só, temos em nós mesmos o passado, presente e futuro. 
Ao remontarmos a questão da não percepção do homem é importante pontuarmos que para as religiões afro-brasileiras os indivíduos sabem que estão vivos porque possuem o “exu no corpo” – princípio de individualização (Baraiye). As religiões afro-brasileiras possuem maneiras específicas de lidar com as questões relativas ao equilíbrio e desequilíbrio do indivíduo. Para melhor entendermos a perspectiva afro-brasileira convém destacarmos que acima de tudo elas não possuem uma visão fragmentária da realidade, ao contrário, compreendem a realidade espiritual e material como uma só, sendo esta última manifestação da primeira. A teoria relacionada com a ciência afirma que tudo provém do corpo, já as dualistas afirmam que a coisa mente é de uma substância diferente da coisa corpo. Nós não contrariamos as teorias, mas em nossas especulações afirmamos que não há dualidade. 

Atualmente os processos mente-corpo vem sendo estudados de forma transversal pela psicologia, antropologia, neurociências, filosofia, em suas várias teorias e também por religiosos nas teorias ditas dualistas. Para as religiões afro-brasileiras o corpo é manifestação da mente via sistema nervoso central onde o cérebro, embora seja um órgão nobre, é somente um instrumento (efeito) da mente (causa). Nas próximas publicações continuaremos as especulações aqui citadas. A cosmovisão das religiões afro-brasileiras afirma que vive-se ao mesmo tempo em duas dimensões diferentes: Orun (espaço sobrenatural) e Aiyê (espaço natural), mas que são apenas visões e percepções diferentes da mesma realidade, ou seja, o Aiyê (corpo físico) é manifestação do Orun (mente). 

O indivíduo quando não absorve a contento, o mesmo acontecendo com a manutenção, multiplicação e a renovação do axé, perde o equilíbrio da mente (enfraquece o Ori), perde a estabilidade afetivo-emocional (enfraquece o Okan e tudo que dele decorre) e a harmonia física e social (O Ará propriamente dito como um todo e seu convívio salutar com a sociedade é profundamente prejudicado). Asaúde e doença e suas relações com o axé (Princípio Vital), “maná” fundamental na manutenção do equilíbrio, da harmonia e estabilidade do complexo mente-corpo-sociedade ou dos aspectos naturais e sobrenaturais. 

O desequilíbrio, a instabilidade e a desarmonia deflagrados pelo indivíduo carente de axé (do relacionamento efetivo com seu Genitor Divino) são as causas das doenças, portanto, devida aos doentes (indivíduos) que desencadeiam doenças via mente, para o organismo todo e para a desastrosa convivência em sociedade (carência afetiva, econômico-financeira, etc). Acreditamos que há necessidade de aspectos profiláticos ou preventivos, os de manutenção e os de, quando necessário, de reparação ou tratamento não só nos efeitos, mas fundamentalmente nas causas (no próprio indivíduo carente de axé, com repercussões mais ou menos sérias ou agravadas pela não atenção ao seu Iwá (destino) desencadeando um equivocado sentido a vida (Abá).

As doenças físicas são resultados da instabilidade, desequilíbrio e desarmonia do indivíduo consigo mesmo, com sua ancestralidade, com seus Orixás e, principalmente com seu Ori (destino). Nesse sentido, as doenças podem ser entendidas como a não percepção da integração do homem com ele próprio, com seus pares, com a natureza física e o sobrenatural. No corpo físico a cabeça é “sede” da mente.  Segundo as religiões afro-brasileiras, a cabeça relaciona-se ao Ori. A região posterior occipital (nuca) relaciona- se ao passado. Chama-se ipako ori e está relacionada ao Inconsciente manifesto nas experiências adquiridas. A região frontal da cabeça relaciona-se ao futuro. Chama-se oju ori e está relacionada ao Supraconsciente, “contendo” as atividades sublimes que iremos conquistar.

Os sonhos são também momentos de remontar ao passado de cada um. A fim de corroborarmos nossa assertiva trazemos para a discussão o sociólogo Roger Bastide, cuja abordagem adquirida do famoso psicanalista vienense, Freud, afirma que o inconsciente teria se formado “com o passar das eras de sedimentos lentamente sobrepostos uns aos outros e compactados pelo peso de todos os séculos; como se houvesse, em nossa alma desconhecida, camadas análogas às camadas geológicas, onde jazem, fósseis, as lembranças de vidas extintas. E então, durante o sono, desceríamos até a caverna, cavaríamos com paciente picareta um poço, a cada noite mais fundo (...)” (Bastide, 2006, p. 33).

Entre as duas regiões citadas encontra-se o ori propriamente dito e está relacionado ao presente. É nessa região que é feita a raspagem e cura (corte da Iniciação, em algumas Escolas) justamente porque relaciona-se ao nosso Consciente e, portanto, com tudo que diz respeito ao poder da nossa vontade para as aquisições de hoje.  Os rituais afro-brasileiros tem a capacidade de agir como a picareta, cavando nossas vivências do inconsciente superficial.

Os sacudimentos ou ebós seguidos de Bori são exemplos de rituais destinados a esse fim. Os sacudimentos e ebós limpam, descarregam todas as negatividades do indivíduo. Após essa limpeza, em um segundo momento, o ritual de Bori visa reconstruir um Ori fortalecido. Tais rituais são constantemente refeitos pois os indivíduos, mesmo os já iniciados, precisam aprofundar-se em seu Inconsciente (penetrando e refazendo o destino). Se colocássemos os três tempos míticos em sequência em um círculo veríamos que o passado e o futuro “se tocam”, ou seja, o Inconsciente que guarda nossa origem é o mesmo do nosso futuro. Assim, vários rituais das religiões afro-brasileiras tem por objetivo fazer com que o indivíduo atinja “espaços” mais profundos do seu Inconsciente, mais próximos de sua origem (seu estado de equilíbrio, harmonia e estabilidade), pois cremos que nele (Inconsciente profundo) está a Espiritualidade latente, porém, esquecida ou encoberta por tantos sedimentos sobrepostos durante séculos de nossas existências (Inconsciente superficial).

A cura e autocura afro-brasileira, portanto, não visam a um indivíduo apenas, pois ainda que cada ritual seja pensado e aplicado na dependência das particularidades de cada indivíduo, ao final de cada ritual, toda a comunidade sai fortalecida uma vez que estão irmanados em uma comunidade de santo e, pelo princípio de interdependência (pela redistribuição de axé) que rege a ética dos terreiros afro-brasileiros, todos recebem um saldo positivo. Os problemas da humanidade não foram resolvidos, vivemos um momento planetário de muitas mudanças e redefinições do ciclo evolutivo dos seres humanos e, justamente, nessa fase as pessoas tem se apegado muito às religiões pela capacidade delas de possibilitar um caminho para o reencontro com o Sagrado.

O conceito de corpo está intimamente relacionado ao processo de cura já que este é um dos motes das religiões afro-brasileiras, possibilitar que os filhos de santo entrem em contato com sua ancestralidade e sintam-se melhores e ativos, em equilíbrio, harmonia e estabilidade, na sua cotidianidade. Assim, o corpo é sagrado. Longe de nós vermos o corpo como um elemento negativo. É ele que nos possibilita vivenciar o momento ápice da experiência religiosa afro-brasileira: o transe, seja este de possessão ou mediúnico. 

Os sentidos (visão, audição, tato, paladar, olfato) são portas de acesso à outros estados de consciência. Por isso, nos terreiros há defumações, ervas, oferendas, ritos de fundamento, bebidas e comidas de santo, entre tantos outros elementos que fazem parte de um arsenal simbólico que atua diretamente na constituição bio-psicossocial do indivíduo, sendo o corpo e mente apenas manifestações do ser espiritual. Nas Religiões Afro-brasileiras/Americanas aprendemos por intermédio de itanifás, mitos, diálogo com os ancestrais ilustres (Caboclos, Pretos-velhos, Encantados, Exus e outros) que a mente fechada nos traz ignorância; a palavra mal direcionada pode nos levar à ira ou aversão, o mesmo acontecendo com as atitudes que podem ser produtos de nossos apegos.

Aqueles acostumados com as Tradições Afro-ameríndias não terão a menor dificuldade de perceber, e os que não estão também, de que falamos de fundamentos de suma importância. Sim, citamos cabeça – que associamos a Ori (Consciência/Destino); Coração (Okan) associado ao Emi (alma) e por último, os membros inferiores (pernas – pés) relacionados ao movimento dado pelo próprio destino, ou melhor, os caminhos que viemos a tomar – onan burukú (maus caminhos) ou onan rere (bons caminhos).

E por intermédio de nossos Orixás ou Ancestrais Ilustres podemos cambiar ignorância por sabedoria; ira ou aversão por atração positiva ou amor e os apegos por ações positivas em nosso benefício e de toda a comunidade a que estamos inseridos. Os pensamentos associamos à cabeça (Ori). Os sentimentos ao coração. As atitudes ou ações e reações comportamentais associamos ao abdome e membros inferiores. No término desse texto esperamos que todos tenham percebido o quanto as Religiões Afro-brasileiras/Americanas, por intermédio dos Orixás e Ancestrais Ilustres, nos demonstram os Onan rere a seguir, retificando o destino, afirmando que todos podem fazer um bom destino, e só querer. Isto é, os aspectos negativos ou positivos do caminho que escolhemos, mas que uma consulta a Orunmilá-Ifá ou aos Ancestrais Ilustres, poderemos retificar, resignificar nosso destino – o bom destino.

O amanhã é muito importante, mas mais do que ele é o hoje, o aqui e agora. Sim, façamos o hoje o melhor possível e teremos um amanhã melhor ainda. E as Religiões Afro-brasileiras/Americanas, por intermédio dos Orixás e Ancestrais Ilustres, nos demonstram os Onan rere a seguir, retificando o destino, afirmando que todos podem fazer um bom destino, e só querer.    
       

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