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A importância vital da água e do interesse astronômico |
A semana da água
Apesar da importância vital da água e do interesse astronômico pela sua
existência universal, a semana da água a que me refiro não é aquela
atrelada ao dia mundial da água, celebrado todo dia 22 de março. Esta
semana foi marcada pelo anúncio quase simultâneo, por duas equipes
independentes, da existência de oceanos em Encélado e Plutão. Em ambos
os casos, são resultados de simulações em computador que, juntando os
dados das sondas Cassini e New Horizons respectivamente, apontam a
presença de água líquida nos dias de hoje, e não em um passado remoto em
ambos os corpos celestes! É assim.
Plutão
As
imagens enviadas pela sonda New Horizons, que passou por Plutão no meio
do ano passado, revelaram uma superfície com poucas crateras de
impacto. Na verdade, com nenhuma grande cratera, apenas umas poucas e
pequenas salpicadas em algumas planícies congeladas. A falta de crateras
significa que o terreno é recente. Para o terreno ser recente, precisa
haver atividade tectônica ativa. Aliás, a superfície de Plutão é coberta
por gelo, com montanhas de gelo, mas também montanhas rochosas,
cobertas por? Gelo.
Além dessas características, as imagens
mostram também algumas fissuras no gelo, como cânions. Estruturas como
essas fissuras são originárias de movimentos de placas tectônicas tão
comuns aqui na Terra. Mas como explicar atividade tectônica em um
mundinho de 1.200 km de raio? Por ser tão pequeno, o esperado é que o
planeta como um todo já se resfriou e não possui oceanos de magma como a
Terra para que haja movimentos de placas e vulcanismo. Como, então,
poderia haver movimentação de placas superficiais?
Água
Se
toda a água que existe em Plutão tivesse se congelado, haveria a
formação de um tipo de gelo chamado gelo II. Esse é o estado que a água
assume quando é congelado a baixas temperaturas e altas pressões, as
condições em Plutão. E a chave para a resposta é a ausência do gelo tipo
II (o gelo comum é tipo I, menos denso). Caso ele tivesse se formado,
como seria o esperado, as fissuras presentes na superfície de Plutão
seriam por compressão das placas superficiais. Ao invés disso, as
fissuras se formaram pelo movimento de escorregamento ou afastamento de
uma placa da outra, como efeito de estarem boiando sobre um oceano. E
isto estaria acontecendo hoje ainda!
Agora a grande questão ainda
não respondida é: como a água não se congelou em Plutão? É preciso
haver uma fonte geotérmica ativa ainda e o principal suspeito é o
decaimento radioativo de elementos instáveis no núcleo rochoso. Mas isso
ainda está longe de ser respondido. EncéladoEm Encélado a coisa é diferente. O oceano
em si já é conhecido há alguns anos por causa dos gêiseres ativos no seu
polo sul, mas uma questão em debate é se esse oceano tem uma escala
global, ou se é apenas um reservatório localizado. Manter a água em
estado líquido não é um problema, como em Plutão. As intensas forças
gravitacionais de Saturno proveem as forças de maré suficientes para
gerar calor e derreter o gelo de Encélado.
As observações
precisas dos movimentos de Encélado mostrou que ele tem um movimento de
oscilação em sua rotação (chamado de libração), que não só confirmou a
extensão global do oceano, mas também ajudou a determinar a estrutura
dessa enigmática lua de Saturno. De acordo com os melhores modelos
teóricos aplicados aos dados, Encélado teria um núcleo rochoso de 185 km
de raio, coberto por um oceano salgado de 45 km de espessura, coberto
por uma capa de gelo de espessura média de 20 km. No polo sul a capa
seria bem mais fina, tipo uns 5 km no máximo, o que facilitaria o escape
dos gêiseres. Com uma camada mais fina, futuras missões poderiam
estudar a estrutura interna desses gêiseres através de radar.
Os
resultados são muito interessantes, poder descrever a estrutura interna
de uma lua a partir dos movimentos de oscilação registrados à distância
usando física básica e simulações de computador é fantástico! Só que
encontrar uma camada de gelo mais fina põe outro desafio. O modelo de
forças de maré proveem bastante energia para manter o gelo derretido em
Encélado, mas a capa mais fina significa também menos proteção para o
calor gerado. Até o começo dessa semana, a capa de gelo tinha 40 km de
espessura, o que mantinha o isolamento térmico desse oceano, mas com 20
km, na média, muito calor deve se perder no espaço. Conclusão: deve
haver mais uma forma de geração de calor ativa em Encélado que compense a
perda através do gelo mais fino e mais uma vez o decaimento radioativo
deve ser esse mecanismo. Água em Encélado e Plutão. Como eu disse lá no começo, sua presença é
universal e, se ela é imprescindível para a existência de vida, não há
como evitar de pensar que ela possa estar espalhada pelo universo
também.
Imagem: NASA/JHU-APL/SwRI
Fonte: g1.globo.com/ciencia-e-saude/blog/observatorio/