Passo a passo, vai se delineando um caminho, que se inicia pelo reconhecimento da real fragilidade do indivíduo, de sua impotência diante desse mal. A partir daí, ele se abre para uma trilha espiritual, onde somente um poder maior é capaz de ajudar a redimir suas culpas. Surge, então, um novo eu, capaz de perceber suas responsabilidades para consigo próprio, para com o próximo e o mundo. Doação ao outro é a condição final na constituição da Irmandade dos 12 Passos, ajudando-o a manter a sobriedade.
Para se entender um pouco mais por que esse programa é voltado para a abertura do adicto à espiritualidade, precisamos voltar alguns anos, quando Carl Gustav Jung recebeu uma carta de Bill W., um dos co-fundadores do A.A. A carta conta que, na verdade, a origem dessa entidade se dera no consultório do psicólogo. Em 1931, Jung tratara, por cerca de um ano, o sr. Rowland, que deixou o tratamento muito feliz, acreditando que se livrara de seu vício, o que não aconteceu realmente. Ao ter nova recaída, ele voltou a seu consultório, mas Jung disse que não via mais sentido em nenhum tipo de tratamento médico ou psiquiátrico que pudesse ajudá-lo. Chocado com o veredicto, o sr. Rowland insistiu, e Jung afirmou que via na verdadeira conversão religiosa a única saída para o seu caso. Tempos depois, Rowland se filiou ao Oxford Group, movimento evangélico europeu, onde finalmente conseguiu se libertar de sua compulsão pela bebida.
Estranhamente, o autor da carta, Bill W., acabou, por outros caminhos, tendo também de viver a mesma experiência que seu amigo para poder se livrar do alcoolismo. E foi durante a sua experiência religiosa que teve a inspiração de criar uma sociedade em que cada um se identificasse com o outro e lhe transmitisse sua experiência. Cada sofredor precisaria viver a sentença de incurável que a ciência médica lhe conferia, além de ter de viver uma experiência de transformação espiritual. Esses foram os conceitos-base para as posteriores conquistas dos A.A.
Em resposta a essa carta de Bill W., Jung escreveu que não pudera ser mais claro com o sr. Rowland pois temera ser mal interpretado, coisa que estava ocorrendo com freqüência em relação a ele no meio médico. Segundo o psicólogo, a fixação que observara em seu cliente, bem como em outros casos que acompanhara, era o equivalente da sede espiritual de nosso ser pela totalidade, expressa em linguagem medieval pela união com Deus. Acrescentou ainda que um homem comum, desligado dos planos superiores e isolado de sua comunidade, não pode resistir aos poderes do mal. Por fim, concluiu dizendo que “álcool em latim significa espírito, ou seja, a mesma palavra que designa a mais alta experiência religiosa nomeia também o mais depravador dos venenos. A receita seria, portanto, spiritus x spiritum” (espírito x álcool).
Com certeza, muitas pessoas na adolescência tiveram alguma experiência com drogas. Em geral, começa-se com o álcool, uma vez que ele é legalizado e está presente em todas as festinhas. Pode-se daí evoluir para drogas mais fortes ou não. Depende dos motivos de cada um: mera curiosidade, sugestão ou imitação dos amigos e familiares, adequação a um grupo social, ou até motivações mais profundas, como uma grande desilusão, um protesto contra a família ou contra a sociedade. O vício pode ter raízes ainda na tentativa de manter o equilíbrio, na necessidade de burlar a autoridade, na dificuldade de lidar com a frustração, na tentativa de ser diferente do que se é, na busca de aplacar sensações doloridas ou de um mundo melhor.
Seja qual for o motivo, compreende-se o dependente químico como uma pessoa que se encontra diante de uma realidade, objetiva ou subjetiva, insuportável, da qual não pode se esquivar e que não consegue transformar. Resta-lhe então, como alternativa, tentar mudar a sua percepção do mundo real, algo que vai buscar nos estados alterados de consciência proporcionados pela droga. Para ele, beber ou drogar-se passa a ser uma questão de sobrevivência psíquica. Por isso é muito comum observar comportamentos de risco em muitos dependentes químicos. Na busca do êxtase e para vivenciá-lo novamente, é preciso jogar com a morte, uma vez que se assume mais riscos a cada rodada da droga. Pouco importa também se no caminho dessa busca se encontre o inferno – ele faz parte da jornada.
Em todos os rituais de iniciação, para se ter acesso ao mundo oculto, acaba se correndo riscos, pois o neófito se submete a provas que vão transformá-lo durante o seu caminhar. Para adquirir tanto maturidade psicológica como religiosa, o indivíduo vive, simbolicamente, a morte e o renascimento.
Para crescer, ou seja, para evoluir de sua condição psicológica de submissão e dependência para uma condição de auto-responsabilidade, o adolescente precisa também aceitar a morte (da criança que ele é) e a ressurreição (do adulto que virá a ser).
No entanto, herdeiros de um mundo tecnológico, esvaziado dos valores do espírito, em prol dos áridos valores materiais, nossos adolescentes não têm a estrutura necessária para auxiliá-los nessa passagem. Nesse sentido, estão irremediavelmente nas mãos do spiritum – o mais depravador dos venenos, como afir- mou Jung.
O mito medieval de Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda nos mostra que, para curar o rei e a terra de seu reino voltar a ser fértil, era preciso que se encontrasse o Santo Graal – essa era a missão dada aos cavaleiros. Quem acabou encontrando o cálice foi Parsifal, talvez o menos preparado na arte da guerra e do domínio, mas, entre todos, o mais puro de coração. Pa- ra ter sucesso nessa tarefa, porém, ele precisou se livrar de antigos valores e se transformar psicologicamente.
Foi esse o caminho que Jung propôs ao sr. Rowland quando lhe sugeriu que somente uma autêntica conversão poderia resgatá-lo de sua compulsividade. Para se fazer a verdadeira conversão aos valores do espírito, é necessário que nosso ego entre em colapso, se perceba impotente, reconheça sua fragilidade e se coloque a serviço do poder superior – força que realmente rege a vida de todos os homens.
Carlinhos Lima - Pesquisas
Para se entender um pouco mais por que esse programa é voltado para a abertura do adicto à espiritualidade, precisamos voltar alguns anos, quando Carl Gustav Jung recebeu uma carta de Bill W., um dos co-fundadores do A.A. A carta conta que, na verdade, a origem dessa entidade se dera no consultório do psicólogo. Em 1931, Jung tratara, por cerca de um ano, o sr. Rowland, que deixou o tratamento muito feliz, acreditando que se livrara de seu vício, o que não aconteceu realmente. Ao ter nova recaída, ele voltou a seu consultório, mas Jung disse que não via mais sentido em nenhum tipo de tratamento médico ou psiquiátrico que pudesse ajudá-lo. Chocado com o veredicto, o sr. Rowland insistiu, e Jung afirmou que via na verdadeira conversão religiosa a única saída para o seu caso. Tempos depois, Rowland se filiou ao Oxford Group, movimento evangélico europeu, onde finalmente conseguiu se libertar de sua compulsão pela bebida.
Estranhamente, o autor da carta, Bill W., acabou, por outros caminhos, tendo também de viver a mesma experiência que seu amigo para poder se livrar do alcoolismo. E foi durante a sua experiência religiosa que teve a inspiração de criar uma sociedade em que cada um se identificasse com o outro e lhe transmitisse sua experiência. Cada sofredor precisaria viver a sentença de incurável que a ciência médica lhe conferia, além de ter de viver uma experiência de transformação espiritual. Esses foram os conceitos-base para as posteriores conquistas dos A.A.
Em resposta a essa carta de Bill W., Jung escreveu que não pudera ser mais claro com o sr. Rowland pois temera ser mal interpretado, coisa que estava ocorrendo com freqüência em relação a ele no meio médico. Segundo o psicólogo, a fixação que observara em seu cliente, bem como em outros casos que acompanhara, era o equivalente da sede espiritual de nosso ser pela totalidade, expressa em linguagem medieval pela união com Deus. Acrescentou ainda que um homem comum, desligado dos planos superiores e isolado de sua comunidade, não pode resistir aos poderes do mal. Por fim, concluiu dizendo que “álcool em latim significa espírito, ou seja, a mesma palavra que designa a mais alta experiência religiosa nomeia também o mais depravador dos venenos. A receita seria, portanto, spiritus x spiritum” (espírito x álcool).
Com certeza, muitas pessoas na adolescência tiveram alguma experiência com drogas. Em geral, começa-se com o álcool, uma vez que ele é legalizado e está presente em todas as festinhas. Pode-se daí evoluir para drogas mais fortes ou não. Depende dos motivos de cada um: mera curiosidade, sugestão ou imitação dos amigos e familiares, adequação a um grupo social, ou até motivações mais profundas, como uma grande desilusão, um protesto contra a família ou contra a sociedade. O vício pode ter raízes ainda na tentativa de manter o equilíbrio, na necessidade de burlar a autoridade, na dificuldade de lidar com a frustração, na tentativa de ser diferente do que se é, na busca de aplacar sensações doloridas ou de um mundo melhor.
Seja qual for o motivo, compreende-se o dependente químico como uma pessoa que se encontra diante de uma realidade, objetiva ou subjetiva, insuportável, da qual não pode se esquivar e que não consegue transformar. Resta-lhe então, como alternativa, tentar mudar a sua percepção do mundo real, algo que vai buscar nos estados alterados de consciência proporcionados pela droga. Para ele, beber ou drogar-se passa a ser uma questão de sobrevivência psíquica. Por isso é muito comum observar comportamentos de risco em muitos dependentes químicos. Na busca do êxtase e para vivenciá-lo novamente, é preciso jogar com a morte, uma vez que se assume mais riscos a cada rodada da droga. Pouco importa também se no caminho dessa busca se encontre o inferno – ele faz parte da jornada.
Em todos os rituais de iniciação, para se ter acesso ao mundo oculto, acaba se correndo riscos, pois o neófito se submete a provas que vão transformá-lo durante o seu caminhar. Para adquirir tanto maturidade psicológica como religiosa, o indivíduo vive, simbolicamente, a morte e o renascimento.
Para crescer, ou seja, para evoluir de sua condição psicológica de submissão e dependência para uma condição de auto-responsabilidade, o adolescente precisa também aceitar a morte (da criança que ele é) e a ressurreição (do adulto que virá a ser).
No entanto, herdeiros de um mundo tecnológico, esvaziado dos valores do espírito, em prol dos áridos valores materiais, nossos adolescentes não têm a estrutura necessária para auxiliá-los nessa passagem. Nesse sentido, estão irremediavelmente nas mãos do spiritum – o mais depravador dos venenos, como afir- mou Jung.
O mito medieval de Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda nos mostra que, para curar o rei e a terra de seu reino voltar a ser fértil, era preciso que se encontrasse o Santo Graal – essa era a missão dada aos cavaleiros. Quem acabou encontrando o cálice foi Parsifal, talvez o menos preparado na arte da guerra e do domínio, mas, entre todos, o mais puro de coração. Pa- ra ter sucesso nessa tarefa, porém, ele precisou se livrar de antigos valores e se transformar psicologicamente.
Foi esse o caminho que Jung propôs ao sr. Rowland quando lhe sugeriu que somente uma autêntica conversão poderia resgatá-lo de sua compulsividade. Para se fazer a verdadeira conversão aos valores do espírito, é necessário que nosso ego entre em colapso, se perceba impotente, reconheça sua fragilidade e se coloque a serviço do poder superior – força que realmente rege a vida de todos os homens.
Carlinhos Lima - Pesquisas
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