Mãe Sandra Mara: “A Umbanda não faz mal
a ninguém”
Desde ontem, sexta, 12, o Memorial Zumbi, na Vila, tem sido palco de uma manifestação religiosa que entrará para a história da cidade do aço por seu caráter inédito. Lá, em meio a pontos cantados e aos toques poderosos dos atabaques, acontece até segunda, 15, a 1ª Semana Umbandista de Volta Redonda, promovida pelo Movimento das Religiões de Matriz Afro (Morema) e pelo “Templo de Umbanda Luz Divina”, com apoio da prefeitura local. Poderia ser apenas mais um encontro religioso, como inúmeros outros. Mas não é. Este visa, principalmente, a estimular os próprios umbandistas a saírem de suas casas – e de seus terreiros – e assumir publicamente sua orientação religiosa.
Quem afirma é a yalorixá Sandra Mara Batista Ribeiro, que há cinco anos comanda os trabalhos do Templo de Umbanda Luz Divina, no bairro Sessenta. Em entrevista ao aQui, ela diz que o medo do preconceito, da discriminação e, consequentemente, da violência, é o que tem impedido centenas de ‘filhos de fé’ de todo o país de assumirem-se como tal. “Este evento pretende esclarecer alguns equívocos. O foco é desmitificar a ideia de que a Umbanda faz mal às pessoas”, resume a mãe-de-santo, certa de que este equívoco, fortemente enraizado em algumas comunidades, é um dos responsáveis pelo ‘recolhimento’ dos umbandistas.
Ela não é a única a pensar assim. Em entrevistas, o sociólogo Flávio Pierucci, professor do departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Sociologia da Religião, é enfático ao afirmar que o discurso agressivo contra a Umbanda e o Candomblé – vindo principalmente de denominações evangélicas – tem contribuído para o aumento da intolerância religiosa e para o decrescimento do número de adeptos. “Essa demonização dos orixás funciona, porque as pessoas têm medo. Com pastores sistematicamente na televisão ou no rádio dizendo que aquilo é o demônio, realmente as pessoas começam a achar que existem religiões demoníacas no Brasil”, explica.
A análise do sociólogo faz sentido. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991, cerca de 542 mil brasileiros assumiam-se umbandistas. Em 2000, porém, o número despencou para 432 mil. Em que pese a possibilidade de conversão a outras religiões, é inegável que muita gente boa, que busca ajuda nos milhares de terreiros e tendas umbandistas espalhadas por todo o país, prefere manter sua prática religiosa oculta aos olhos da sociedade. Para tentar modificar esta atitude e garantir a representação do povo de Umbanda frente ao Estado, líderes religiosos de matriz africana passaram a fazer um trabalho de conscientização quanto ao Censo 2010 do IBGE.
A campanha ‘Quem é de Axé diz que é’, lançada pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN) em 2009, teve por objetivo levar os adeptos de religiões como a Umbanda e o Candomblé, por exemplo, a afirmar aos censitários do IBGE sua identidade religiosa e não mais ocultá-la dizendo serem de religiões ditas ‘reconhecidas’, como a católica, para citar uma. “Fizemos um trabalho maciço, promovendo palestras para conscientizar as pessoas – principalmente os frequentadores de terreiros, que buscam amparo espiritual – da importância de assumir a religião”, explica a yalorixá Sandra Mara, lembrando que só através de uma consolidação dos números de umbandistas e candomblecistas no Brasil será possível formular políticas públicas voltadas para este segmento.
Durante a Semana Umbandista, diz ela, os voltarredondenses interessados poderão conhecer um pouco mais da cultura do ‘povo de santo’ através de palestras, exposições de artesanato e roupas típicas, feira de livros religiosos, show de curimbas e atabaques, apresentação de danças variadas – como a dança cigana, o jongo, a capoeira e o maculelê – e exibição de filmes que abordam a cultura afrobrasileira, como ‘Besouro’ e ‘Cafundó’.
Um dos palestrantes, ela faz questão de frisar, é o escritor e babalorixá Alexandre Cumino, autor do livro ‘História da Umbanda – uma religião brasileira’. “O Alexandre fez um levantamento histórico dos terreiros de umbanda, inclusive os da nossa região”, salienta a mãe-de-santo, que indica tanto a palestra quanto o livro àqueles que ainda não conhecem os fundamentos da religião.
Ainda durante o encontro, segundo Sandra, as casas umbandistas de Volta Redonda poderão cadastrar-se no banco de dados do Movimento das Religiões de Matriz Afro (Morema), coordenada atualmente pela jovem Vívian Werneck. “As igrejas católicas e os templos protestantes, por exemplo, aparecem mais porque são construídos nas principais ruas da cidade. Os terreiros, ao contrário, ficam camuflados, escondidos. Em torno de uma igreja protestante, por exemplo, é comum que haja uns 20 terreiros”, destaca Sandra, explicando que isso acontece justamente pelo medo que os umbandistas têm da violência e da discriminação. “Ninguém quer ser humilhado, e é verdade que muitos pais-de-santo preferem manter-se ocultos por medo de serem agredidos, principalmente pelos protestantes”, dispara.
Vívian Werneck concorda e vai além. Afirma que o ‘recolhimento’ dos umbandistas em Volta Redonda tem dificultado o trabalho do Morema em fazer o levantamento do número de casas de Umbanda na cidade do aço. “A Pontifícia Universidade Católica (PUC) tem feito um mapeamento das casas de religiões de matriz africana do estado do Rio. E temos feito essa parceria aqui no Sul do estado, para conseguirmos fazer um levantamento oficial. Temos, por isso, interesse em cadastrar todos os terreiros existentes em Volta Redonda”, afirma Vívian, certa de que, oficializados, os números podem surpreender a muita gente. “No Sul Fluminense, dos que conheço e visitei, existem uns 100 terreiros. Mas é um número irreal. Há muito mais”, aposta.
Tem mais. Para conscientizar as pessoas sobre o que, de fato, é a umbanda; fortalecer a autoestima dos umbandistas voltarredondenses e enfatizar o discurso contra a intolerância religiosa, a Semana Umbandista de Volta Redonda contará com uma caminhada que reunirá umbandistas, hare krishnas, kardecistas, católicos, ciganos e quem mais for a favor do respeito mútuo entre as religiões e preze o diálogo inter-religioso. Será às 13 horas de amanhã, domingo, 14.
“A caminhada contra a intolerância religiosa terá sua concentração no Memorial Zumbi”, avisa Sandra Mara, fazendo questão de frisar que para garantir a segurança dos participantes, pediu o apoio do 28º Batalhão de Polícia Militar e da Guarda Municipal de Volta Redonda. “Esperamos que não ocorra nenhum problema, nenhum ataque. A questão da segurança foi conversada com o prefeito Neto, que nos deu apoio”, frisa.
Embora torça para que não haja nenhum tipo de retaliação de cunho religioso durante a caminhada, a yalorixá Sandra Mara prefere se prevenir. Tanto que, nas últimas semanas, tem sido incisiva ao orientar os umbandistas da cidade do aço a não revidar nenhum tipo de ataque. “A orientação repassada aos pais e mães-de-santo, e também aos filhos de fé, é a de não partir para o confronto. Não é essa a nossa intenção”, destaca, afirmando que a presença da Polícia no evento não é, nem de longe, um exagero. “Queremos segurança para exercer nosso direito de manifestação religiosa.
Por isso pedimos apoio à Polícia Militar. Acho que, desta forma, muitos umbandistas vão se sentir amparados pelo Poder Público e sairão às ruas”, justifica, acrescentando que não se chateará caso os evangélicos, por exemplo, decidam fazer uma manifestação religiosa paralela no mesmo dia da caminhada. “Na verdade, se acontecer essa manifestação paralela vou ficar feliz. Acho que o conflito, muitas vezes, gera o diálogo. E o diálogo, por sua vez, sempre gera o crescimento”, filosofa.
A boa notícia para as centenas – ou milhares? – de umbandistas da cidade do aço é que a Semana Umbandista deve acontecer todos os anos. “É a nossa intenção. O evento já foi inserido no Orçamento Participativo da prefeitura. Mas temos mais coisas programadas, como uma caminhada no Dia de Combate à Intolerância Religiosa, no dia 20 de janeiro do ano que vem, e uma procissão de São Jorge, em abril, com uma gira de Ogum no Estádio Raulino de Oliveira”, comenta, animada.
Ah, para quem não sabe, na tradição umbandista Ogum é o orixá guerreiro, responsável por abrir caminhos e vencer demandas. Caminhos abertos para que possa manifestar sua religiosidade: é isso – apenas isso – o que o povo de santo quer.
em www.jornalaqui.com.br
a ninguém”
Desde ontem, sexta, 12, o Memorial Zumbi, na Vila, tem sido palco de uma manifestação religiosa que entrará para a história da cidade do aço por seu caráter inédito. Lá, em meio a pontos cantados e aos toques poderosos dos atabaques, acontece até segunda, 15, a 1ª Semana Umbandista de Volta Redonda, promovida pelo Movimento das Religiões de Matriz Afro (Morema) e pelo “Templo de Umbanda Luz Divina”, com apoio da prefeitura local. Poderia ser apenas mais um encontro religioso, como inúmeros outros. Mas não é. Este visa, principalmente, a estimular os próprios umbandistas a saírem de suas casas – e de seus terreiros – e assumir publicamente sua orientação religiosa.
Quem afirma é a yalorixá Sandra Mara Batista Ribeiro, que há cinco anos comanda os trabalhos do Templo de Umbanda Luz Divina, no bairro Sessenta. Em entrevista ao aQui, ela diz que o medo do preconceito, da discriminação e, consequentemente, da violência, é o que tem impedido centenas de ‘filhos de fé’ de todo o país de assumirem-se como tal. “Este evento pretende esclarecer alguns equívocos. O foco é desmitificar a ideia de que a Umbanda faz mal às pessoas”, resume a mãe-de-santo, certa de que este equívoco, fortemente enraizado em algumas comunidades, é um dos responsáveis pelo ‘recolhimento’ dos umbandistas.
Ela não é a única a pensar assim. Em entrevistas, o sociólogo Flávio Pierucci, professor do departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Sociologia da Religião, é enfático ao afirmar que o discurso agressivo contra a Umbanda e o Candomblé – vindo principalmente de denominações evangélicas – tem contribuído para o aumento da intolerância religiosa e para o decrescimento do número de adeptos. “Essa demonização dos orixás funciona, porque as pessoas têm medo. Com pastores sistematicamente na televisão ou no rádio dizendo que aquilo é o demônio, realmente as pessoas começam a achar que existem religiões demoníacas no Brasil”, explica.
A análise do sociólogo faz sentido. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991, cerca de 542 mil brasileiros assumiam-se umbandistas. Em 2000, porém, o número despencou para 432 mil. Em que pese a possibilidade de conversão a outras religiões, é inegável que muita gente boa, que busca ajuda nos milhares de terreiros e tendas umbandistas espalhadas por todo o país, prefere manter sua prática religiosa oculta aos olhos da sociedade. Para tentar modificar esta atitude e garantir a representação do povo de Umbanda frente ao Estado, líderes religiosos de matriz africana passaram a fazer um trabalho de conscientização quanto ao Censo 2010 do IBGE.
A campanha ‘Quem é de Axé diz que é’, lançada pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN) em 2009, teve por objetivo levar os adeptos de religiões como a Umbanda e o Candomblé, por exemplo, a afirmar aos censitários do IBGE sua identidade religiosa e não mais ocultá-la dizendo serem de religiões ditas ‘reconhecidas’, como a católica, para citar uma. “Fizemos um trabalho maciço, promovendo palestras para conscientizar as pessoas – principalmente os frequentadores de terreiros, que buscam amparo espiritual – da importância de assumir a religião”, explica a yalorixá Sandra Mara, lembrando que só através de uma consolidação dos números de umbandistas e candomblecistas no Brasil será possível formular políticas públicas voltadas para este segmento.
Durante a Semana Umbandista, diz ela, os voltarredondenses interessados poderão conhecer um pouco mais da cultura do ‘povo de santo’ através de palestras, exposições de artesanato e roupas típicas, feira de livros religiosos, show de curimbas e atabaques, apresentação de danças variadas – como a dança cigana, o jongo, a capoeira e o maculelê – e exibição de filmes que abordam a cultura afrobrasileira, como ‘Besouro’ e ‘Cafundó’.
Um dos palestrantes, ela faz questão de frisar, é o escritor e babalorixá Alexandre Cumino, autor do livro ‘História da Umbanda – uma religião brasileira’. “O Alexandre fez um levantamento histórico dos terreiros de umbanda, inclusive os da nossa região”, salienta a mãe-de-santo, que indica tanto a palestra quanto o livro àqueles que ainda não conhecem os fundamentos da religião.
Ainda durante o encontro, segundo Sandra, as casas umbandistas de Volta Redonda poderão cadastrar-se no banco de dados do Movimento das Religiões de Matriz Afro (Morema), coordenada atualmente pela jovem Vívian Werneck. “As igrejas católicas e os templos protestantes, por exemplo, aparecem mais porque são construídos nas principais ruas da cidade. Os terreiros, ao contrário, ficam camuflados, escondidos. Em torno de uma igreja protestante, por exemplo, é comum que haja uns 20 terreiros”, destaca Sandra, explicando que isso acontece justamente pelo medo que os umbandistas têm da violência e da discriminação. “Ninguém quer ser humilhado, e é verdade que muitos pais-de-santo preferem manter-se ocultos por medo de serem agredidos, principalmente pelos protestantes”, dispara.
Vívian Werneck concorda e vai além. Afirma que o ‘recolhimento’ dos umbandistas em Volta Redonda tem dificultado o trabalho do Morema em fazer o levantamento do número de casas de Umbanda na cidade do aço. “A Pontifícia Universidade Católica (PUC) tem feito um mapeamento das casas de religiões de matriz africana do estado do Rio. E temos feito essa parceria aqui no Sul do estado, para conseguirmos fazer um levantamento oficial. Temos, por isso, interesse em cadastrar todos os terreiros existentes em Volta Redonda”, afirma Vívian, certa de que, oficializados, os números podem surpreender a muita gente. “No Sul Fluminense, dos que conheço e visitei, existem uns 100 terreiros. Mas é um número irreal. Há muito mais”, aposta.
Tem mais. Para conscientizar as pessoas sobre o que, de fato, é a umbanda; fortalecer a autoestima dos umbandistas voltarredondenses e enfatizar o discurso contra a intolerância religiosa, a Semana Umbandista de Volta Redonda contará com uma caminhada que reunirá umbandistas, hare krishnas, kardecistas, católicos, ciganos e quem mais for a favor do respeito mútuo entre as religiões e preze o diálogo inter-religioso. Será às 13 horas de amanhã, domingo, 14.
“A caminhada contra a intolerância religiosa terá sua concentração no Memorial Zumbi”, avisa Sandra Mara, fazendo questão de frisar que para garantir a segurança dos participantes, pediu o apoio do 28º Batalhão de Polícia Militar e da Guarda Municipal de Volta Redonda. “Esperamos que não ocorra nenhum problema, nenhum ataque. A questão da segurança foi conversada com o prefeito Neto, que nos deu apoio”, frisa.
Embora torça para que não haja nenhum tipo de retaliação de cunho religioso durante a caminhada, a yalorixá Sandra Mara prefere se prevenir. Tanto que, nas últimas semanas, tem sido incisiva ao orientar os umbandistas da cidade do aço a não revidar nenhum tipo de ataque. “A orientação repassada aos pais e mães-de-santo, e também aos filhos de fé, é a de não partir para o confronto. Não é essa a nossa intenção”, destaca, afirmando que a presença da Polícia no evento não é, nem de longe, um exagero. “Queremos segurança para exercer nosso direito de manifestação religiosa.
Por isso pedimos apoio à Polícia Militar. Acho que, desta forma, muitos umbandistas vão se sentir amparados pelo Poder Público e sairão às ruas”, justifica, acrescentando que não se chateará caso os evangélicos, por exemplo, decidam fazer uma manifestação religiosa paralela no mesmo dia da caminhada. “Na verdade, se acontecer essa manifestação paralela vou ficar feliz. Acho que o conflito, muitas vezes, gera o diálogo. E o diálogo, por sua vez, sempre gera o crescimento”, filosofa.
A boa notícia para as centenas – ou milhares? – de umbandistas da cidade do aço é que a Semana Umbandista deve acontecer todos os anos. “É a nossa intenção. O evento já foi inserido no Orçamento Participativo da prefeitura. Mas temos mais coisas programadas, como uma caminhada no Dia de Combate à Intolerância Religiosa, no dia 20 de janeiro do ano que vem, e uma procissão de São Jorge, em abril, com uma gira de Ogum no Estádio Raulino de Oliveira”, comenta, animada.
Ah, para quem não sabe, na tradição umbandista Ogum é o orixá guerreiro, responsável por abrir caminhos e vencer demandas. Caminhos abertos para que possa manifestar sua religiosidade: é isso – apenas isso – o que o povo de santo quer.
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por Lívia Venina
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