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sábado, 27 de novembro de 2021

Exu e sua parte feminina.

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Para entendermos a forma como se processam as relações entre o masculino e feminino no Brasil, é fundamental que consideremos a tradição patriarcal historicamente dominante nos sistemas social, econômico e cultural. Segundo Parker (1991), a diferenciação entre homens e mulheres poderia, sob determinado aspecto, ser considerada, na sociedade brasileira, como formada por pólos atividade-passividade, dominância-submissão, força-fragilidade. Essa polarização não se dá, entretanto, de forma absoluta, devendo ser consideradas posições intermediárias marcadas pela presença de papéis como o da prostituta. Contudo, esses papéis, valorizados negativamente, funcionam mais como um fator de referência a ser considerado para ser evitado, do que como um lugar com importância estrutural para o funcionamento do próprio sistema. 
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Os valores sociais relacionados ao feminino referem-se tradicionalmente à virgindade, submissão e procriação, enquanto os masculinos relacionam-se à força, autoridade e realização sexual. Ao se pesquisar dados sobre o tema nota-se a presença desses valores. Exu é caracterizado principalmente pelas suas funções. Fundem-se na sua caracterização o homem da noite e o trabalhador, papéis historicamente associados ao masculino. O trabalho de Exu, entretanto, é o que podemos designar como braçal; aqui se apresenta a primeira característica de classe. A sua identificação com a noite apresenta aspectos que também podem ser considerados indicadores de classe. 
 
Os lugares que freqüenta comumente não são os destinados às camadas mais privilegiadas; seu local é a rua, onde acontecem tradicionalmente as manifestações do povo. Também é o lugar atribuído às desordens, ao permissível e ao potencialmente perigoso (DaMatta, 1991). Há vários Exus para diversas funções/interesses. Sua atuação se refere às esferas da saúde, financeira, afetiva (motivos pelos quais mais são procurados) e sexual. Os Exus e Pombas-Giras são definidos principalmente pelo seu caráter sexual, relacionado à sua amoralidade, e, podemos dizer, provavelmente, aos lugares que freqüentam. Mas, nunca devemos nos esquecer que essas entidades mais presentes dos centros e mediuns, são os de grau mais baixos sendo que acima deles tem outros muito mais evoluidos. Tem os Exus Ancestrais e Cosmicos que não militam no plano fisico e muito mais no plano Astral. 
 
Os Exus Cosmicos, por exemplo nunca encarnaram e vivem num plano mais evoluido que os mensageiros que militam nas encruzilhadas. Pomba-Gira desempenha, por sua vez, funções, segundo os dados, muito semelhantes às dos Exus. Também é uma mulher da rua e do trabalho. Entretanto, o lugar da rua não é aquele esperado socialmente para a mulher, segundo a tradição patriarcal, podendo promover a sua identificação com as características atribuídas à prostituta. Montero (1985) também identificou semelhanças entre as características atribuídas à Pomba-Gira e o estereótipo da prostituta, em oposição aos estereótipos da jovem virgem associado às caboclas, da mãe a Iemanjá e da mãe preta às pretas-velhas. 
 
Apesar das semelhanças porventura encontradas, não constatamos referências explícitas à Pomba-Gira como prostituta nos pontos analisados. Sua identificação com essa figura, como dito, está baseada sobretudo nos lugares que freqüenta. Aqui, deve-se recordar que a categoria por nós definida como Morada não inclui os lugares onde as entidades transitam. Associação de Exus e Pombas-Giras com ruas e cemitérios são quase uma constante nos pontos analisados, o que não quer dizer que habitem nesses locais, e sim que mais provavelmente nele permaneçam por afinidade ou pelas características dos trabalhos que realizam ali. Ex: Existe um Exu mulher/ Que não trabalha à toa/ Quando passa pela encruza/ Maria Padilha não vacila/ Ela não faz coisa boa. Sobre a relação entre as Pombas-Giras e a prostituição, Como é mulher, sua associação ao Mal, sua demonização passa pela imemorial marca infamante da feminilidade: a luxúria. Encarnada noutro antigo estereótipo: a prostituta. 
 
Uma 'mulher da vida, com 'sete maridos', bem marcada, me parece, pelo tempo em que se constituía a Umbanda no espaço urbano: vários dos seus pontos cantados que ouvi, remetem a um espaço escuso da cidade, que já foi sinônimo de devassidão e 'mulher perdida': a Pomba-Gira é de cabaré .Segundo Prandi (1996), a Pomba-Gira "trata dos casos de amor, protege as mulheres que a procuram, é capaz de propiciar qualquer tipo de união amorosa e sexual" (p. 148). Eu em particular vejo a pombagira, não só como um Egun, como se prega em todos os tempos, o que existe na verdade, são eguns que militam nessa falange pra poder evoluir e se libertar da luxuria. Porque na Hierarquia mais elevada, a Senhora Bombogirá, é chefe de um raio muito importante e militam junto com Exu no trabalho através da Quimbada auxiliando os orixas. A ela estão associados os trabalhos de feitiçaria, principalmente amorosa, o que nos permite fazer um paralelo com o espaço tradicionalmente relacionado à mulher, ou seja, o quintal, lugar das ervas e dos segredos mágicos e terapêuticos (Del Priore, 1993). Suas atividades situam-se nos espaços exteriores à casa (a rua e o quintal), o que pode indicar a sua não-pertença ao núcleo familiar, uma vez que não se ajusta aos papéis tradicionais de esposa, mãe ou filha. 
 
Os dados revelam a entidade como dotada de uma beleza "física" e uma vaidade, que bem correspondem à expectativa em relação ao papel feminino, no qual a mulher deve se conservar sempre bonita, pois esse é o seu maior bem, a fim de satisfazer o homem. Conforme nos mostram os pontos de relação, esse é o papel da Pomba-Gira, em presença dos Exus. Se considerarmos também as marcas de raça e classe que estão a eles relacionadas na literatura, seu papel se torna duplamente estereotipado, uma vez que mulher e negra (Montero, 1985; Ortiz, 1991). Como pode ser visto, a identificação tradicional de Exu com o diabo cristão não está relacionada somente a sua aparência original, africana. Componentes outros se somam a essa aparência e remetem a uma caracterização de ações também próxima. 
 
Talvez o principal desses componentes seja a sexualidade exacerbada. Mas, um segredo importante que nem mesmo muitos sacerdotes notam é que Pombagira não milita apenas na area sexual, ela milita na area financeira, de saude e até politica. E assim, pode ter por certo que nem toda Pombagira em especial as mais evoluidas, terá aparencia vulgar. As mais exageradas são as que militam exclusivamente na area da evolução sexual. Saiba que tudo depende das necessidades carmicas e das Linhas Vibracionais que cada uma milita. Historicamente, o diabo no ocidente utiliza o sexo dos humanos para tentá-los (Nogueira, 2000). 
 
Há referências diversas na história do Brasil sobre a proximidade entre o diabo e a luxúria, as práticas mágicas, a busca da resolução de problemas cotidianos, por fim, sua proximidade com o próprio homem (Souza, 1989). Até mesmo o caráter ambíguo da sexualidade esteve a ele relacionado, na figura de íncubos e súcubos (Mott, 1988). Nesse ponto, há um aspecto particularmente importante: o diabo formou, desde o nosso período colonial, uma tríade bastante constante com a prostituição e a magia sexual. Note no entanto, que na Wica e em religiões primitivas o sexo não era visto tão fortemente como demoniaco. Mas, na verdade nós não podemos negar realmente que sexo degenere a alma, quando usado de forma desordenada. Na verdade tudo depende de como e quando se ultrapassa os limites do bom senso e da prudencia. 
 
No Brasil colonial, dentre os que se ocuparam da magia, talvez a categoria mais estigmatizada com a prostituição tenha sido a das mulheres que vendiam filtros de amor, ensinavam orações para prender homens, receitavam beberagens e lavatórios de ervas. Magia sexual e prostituição pareciam andar sempre juntas (1989, p. 241). Companheiro da prostituta, o malandro é figura recorrente no imaginário brasileiro. Sua avaliação, entretanto, tende a ser menos negativa do que a dela. Segundo DaMatta (1997), sua caracterização está relacionada à sua aversão pelo trabalho e à individualização da sua figura e de seus costumes. Contudo, é inegável em nosso meio social a valorização da sua desenvoltura para resolver problemas e quase sempre levar vantagem, inclusive nas situações francamente adversas. Uma estrutura marcada pela hierarquia, como é o caso da Umbanda, certamente deve refletir em si aspectos da ordem social que a comporta. A relação de dominação-subordinação encontrada no Candomblé entre os orixás e Exu (Trindade, 1982) também pode ser percebida na Umbanda. 
 
Outro fator relevante na identificação do lugar ocupado por Pomba-Gira e Exu na prática umbandista é a consideração das delimitações provenientes dos conceitos de linha e falange que "... Constituem divisões que agrupam as entidades de acordo com afinidades intelectuais e morais, origem étnica e, principalmente, segundo o estágio de evolução espiritual em que se apresentam, no astral" (Magnani, 1986, p. 33). Essas divisões implicam uma hierarquia que indica, mais do que uma simples divisão entre o bem e o mal, esse caracterizado como inferior àquele, a necessidade de que "... o simbolismo dos ritos exprima a subordinação do princípio espiritual inferior ao princípio superior" (Ortiz, 1991, p. 141). Essa hierarquia está presente de forma significativa nos dados apresentados acima, nos quais o reconhecimento de diferentes poderes se constitui em um princípio organizador que impede o caos. Na hierarquia identificada pode-se notar claramente a superioridade dos Exus. A eles estão subordinadas as Pombas-Giras, menos numerosas, fato que se refletiu inclusive na quantidade geral de pontos coletados. 
 
 O caráter moralmente ambíguo das entidades, evidenciado pela costumeira associação entre os Exus e a figura do trickster (Augras, 1983; Queiroz, 1991), sugere ser este um aspecto relacionado ao lugar que lhe é designado na hierarquia da umbanda. As categorias denominadas "personalidade", "proteção" e "advertência" referem-se a essa ambiguidade. Aqui encontramos Exu e Pomba-Gira como seres capazes de fazer tanto o bem quanto o mal, e por isso merecedores dos maiores cuidados e respeito. A moralidade das ações da entidade vai ser, entretanto, determinada pelo pedido do "consulente", pois é esse quem vai fazer a sua oferenda, o seu pagamento. Em última instância a responsabilidade moral é daquele que faz o pedido. 
 
A labilidade dessas entidades possibilita a solicitação de determinados favores somente a elas, não a outras consideradas mais evoluídas, pois poderia causar negativas ou repreensões. Além desse fato, a percepção de Exu como alguém que já passou por condições adversas, em vida, pode caracterizá-lo como um interlocutor capaz de melhor entender os motivos daquele que pede, sendo, em determinado sentido, um igual. Dois eixos de submissão podem ser então considerados como centrais na análise. O primeiro se relaciona à posição da figura feminina, localizada à margem pelo sexo e pela condição social. Seus atributos concedem-lhe a aparência desejada pelo masculino ao mesmo tempo em que sua caracterização como ser com sexualidade extremada a relega a uma situação em que sua inserção na rede social não pode se dar através do papel de mãe/esposa, sendo associada à prostituta na trama dos personagens cotidianos. Suas funções estarão relacionadas aos pedidos de caráter sexual e afetivo, localizando-a então, conforme a moral cristã, no campo do pecado, ou seja, das trevas. 
 
O segundo eixo diz respeito à condição de Exu. Dado como amoral, só pode ser admitido para ele o local das trevas, a noite. É ali que pode expressar seu caráter sinuoso, escondido do convívio dos que trabalham normalmente. Aqui também podemos considerar a sua inaptidão para o papel de pai/esposo, sendo considerado inadequado para as funções reprodutivas. Deve-se observar que não são encontradas referências familiares para os Exus e Pombas-Giras, o que é comum para os Pretos e Pretas-Velhas, geralmente chamados de tio/tia, avô/avó ou pai/mãe. 
 
 A relação que se estabelece com Exu é muitas vezes a de compadrio (Verger, 1999), reforçando a possibilidade de sua identificação, por parte de quem o consulta, como um igual. À medida que admitimos a entidade como um molde a ser preenchido pelo médium, podemos também admitir que os estereótipos a ela historicamente relacionados encontram nele possibilidade de se atualizarem e por isso sobreviverem. 
 
Não nos estamos referindo a uma simples incorporação do papel, mas sim a um mecanismo que permite a construção de um campo de significados que estão de acordo com a própria percepção do mundo pelo médium e pelos fiéis. Pombas-Giras e Exus são representações de personagens presentes na vida cotidiana, que apresentam tanto características individuais distintivas quanto traços coletivos de classe, o que proporciona a manutenção do estereótipo. 
 
Vistas como a própria ambivalência, as caracterizações não poderiam ser diferentes: as entidades que possuem como função primeira o trabalho, são percebidas como malandro e prostituta. Como perigosas, necessitam de outras entidades mais elevadas para que sejam controladas e exerçam de forma adequada suas funções. Segundo a descrição das moradas, são imigrantes que aportam num contexto que os considera inaptos para o desenvolvimento de funções que não estejam relacionadas ao trabalho braçal. 
 
Exu e Pomba-Gira podem ser, em última instância, alguns dos personagens pertencentes às camadas empobrecidas da sociedade, submetidas a toda sorte de preconceitos raciais, sociais, econômicos e culturais, que acabam por ser assumidos e propagados pela própria classe. Máscaras que permanecem como modelo e reflexo das próprias contradições do sistema social do nosso país. E na verdade, a maioria das buscas nos terreiros, tem sempre haver com a atuação dos Compadres, ou disturbios sexuais, vicios ou porque se está passando por confusões mentais e num estado de carencia onde a pessoa deixa um vazio dentro da alma deixando a natureza oculta dominar a personalidade. Nestes casos Exu e Pombagira são os melhores psicologos do Terreiro, pois, conhecem a personalidade oculta do ser humano como nenhum outro orixa.

CARLINHOS LIMA PESQUISAS Dados EXTRAÍDO DO ARTIGO DE: Adriano R. Afonso do N.I; Lídio de SouzaII; Zeidi A.TrindadeII - IDoutorando no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo - Professor doutor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo - Professorara doutora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo
11/8/2010
 
 
 
 

Um comentário:

Babalu disse...

Achei interessantissimo esse artigo. Geralmente não encontramos citações ou referencial bibliográfico em textos de internet. Parabéns!! Tenho a Pombagira como protetora e me relaciono com um homem protegido por Exu. Na verdade, devemos considerar que precisamos evoluir, independente de qualquer situação ou adversidade.

Abraços e parabéns pela seriedade com que tratou o assunto.

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